Luhana Pawlick/Arquivo Pessoal/PE

A estilista catarinense Luhana Pawlick quer cumprir o pedido do pai no leito de morte: “você deve ser maior do que eu fui!” No último 7 de setembro ela vestiu a primeira-dama do Brasil, Michelle Bolsonaro, na cerimônia improvisada que Bolsonaro insistiu em fazer para registrar a data da Independência com ministros, familiares, poucos amigos e parte da imprensa.

Luhana, a filha mais velha de Gesoni Pawlick, referência da alta-costura catarinense que morreu em 2017 vítima de câncer, também estava lá. Representantes de outros poderes, como Davi Alcolumbre, presidente do Senado, e Dias Toffoli – a três dias de entregar a presidência do STF – também estavam. Assim como o deputado federal Eduardo Bolsonaro, terceiro filho do presidente, que também marcou presença no churrasco de domingo da família no Alvorada.

Luhana Pawlick é a única dos três herdeiros de Gesoni que seguiu a profissão do pai. Depois da infância pobre, Gesoni construiu imenso legado como estilista e atendia a alta sociedade catarinense. Entre as clientes, mulheres de deputados, prefeitos e governadores. Mas Gesoni não chegou a atender uma primeira-dama. Sua filha voltou para Santa Catarina na última terça-feira, 9, depois de uma viagem a Brasília onde realizou justamente essa tarefa: testar o vestido que desenhou para Michelle Bolsonaro usar na cerimônia de 7 de setembro.

A encomenda

A relação entre Luhana Pawlick e Michelle Bolsonaro começou no início de 2020, quando a assessoria da primeira-da fez contato interessada nos trajes da catarinense. Naquele momento, pré-coronavírus, Luhana foi a Brasília, tirou as medidas da primeira-dama e começou a construir o modelo. Com a chegada do vírus no Brasil e o cancelamento do tradicional desfile, no entanto, a primeira-dama desistiu do look.

Tudo mudou em 1º de setembro, quando em uma nova mensagem por Whatsapp, Michelle retornou o contato. Bolsonaro insistiu em fazer uma cerimônia no 7 de setembro: “algo bem intimista na frente do palácio, só com os ministros, a nossa família e um espaço para imprensa”, explicou Michelle.

Luhana aceitou a missão, mas o projeto inicial precisava ser adaptado. As medidas de Michelle foram tiradas em fevereiro, seis meses antes, e a nova cerimônia exigia um traje menos formal. O vestido foi criado em menos de uma semana e Luhana decidiu prová-lo na primeira-dama in locu.

“Eu quis trazer um vestido mais leve, a cor também não foi formal, porque está tudo tão pesado, o Brasil está passando por uma situação tão pesada, que pensei em trazer algo bem leve, bem sutil, que o país se sentisse abraçado. É um vestido de cores alegres, por causa da primavera, então, a gente usou um floral. A Michelle é uma pessoa muito simples, não gosta de nada muito chique demais. Por mais que seja a primeira-dama”, diz Luhana sobre a cliente.

A peça, segundo a estilista, é uma doação que será leiloada e o dinheiro vai para alguma instituição vinculada ao projeto Pátria Voluntária. O trabalho pode mudar a carreira de Luhana, que vive um paradoxo: embora esteja em contato com a primeira-dama, o caixa da empresa zerou em 2020 e as portas da loja estão fechadas desde 17 de março, quando o governo catarinense decretou quarentena, em função da escalada do novo coronavírus no estado.

“A situação está péssima. No dia do decreto, meus funcionários foram para casa e nunca mais voltaram. Está tudo parado. Todos os clientes adiaram ou cancelaram o evento. As pessoas não estão procurando a gente, porque não tem data de casamento e festa”, lamenta Luhana.

O trabalho com Michelle é uma esperança e a estilista catarinense tem a expectativa de fazer outros trajes para Michelle, mas não sabe em quais ocasiões serão usados.

“Estou pensando em um vestido estruturado, de renda, ela gosta muito de floral. Vou fazer também outro modelo mais monocromático em alfaiataria. Eu ia vestir a Michelle para o aniversário de Brasília, em 2020, então, ano que vem possivelmente farei esse trabalho”, explica Luhana. Segundo ela, Michelle não antecipa os pedidos, sempre espera a decisão do governo.

A Cerimônia

O evento improvisado no 7 de setembro durou apenas 17 minutos – Luhana não sabe dizer se foi uma alusão ao número de urna que elegeu Bolsonaro. O presidente chegou de Rolls-Royce, com os netos e filhos dos funcionários que trabalham no Alvorada. Em seguida, cumprimentou o público, se posicionou junto dos ministros e da primeira-dama para ouvir o Hino Nacional, o do Mercosul e o da Independência. A Esquadrilha da Fumaça encerrou a cerimônia, desenhando um coração céu de Brasília.

Três dias no Palácio

Depois da cerimônia, os poucos convidados foram para o interior do Palácio. Além dos familiares e amigos do presidente, três pessoas do público presentes na cerimônia foram convidadas para entrar no Palácio e almoçar com o presidente – Michelle fez jejum. Os escolhidos: um transsexual, uma mulher e um homossexual.

Luhana e o marido, o empresário Vinicius Fritzen, participaram de todo o evento, além disso, ficaram três dias no Palácio da Alvorada. A estilista acompanhou as agendas de Michelle e ajudou a primeira-dama a compor looks para outros eventos.

“Eu criei um vínculo com a Michelle. Fui para ajudar com o look, ver se estava tudo certo, porque não tive como provar o vestido nela e foi feito tudo no olho em uma semana. Fui lá, ajeitei o vestido para ela, ajudei a compor alguns looks para outras ocasiões”.

A estilista catarinense assegura que não recebeu um centavo da família Bolsonaro pelo trabalho, que pagou a viagem do bolso e que o vestido usado por Michelle é uma doação. No Palácio, achou tudo simples e nada de banquete:  “A comida era arroz, feijão, salada, uma carne só. De manhã, é pão d’agua, café, suco. O presidente adora pão de trigo com doce de leite”, diz Luhana.

Fora das agendas pelo Pátria Voluntária, Michelle Bolsonaro se porta como dona de casa. A estilista e a primeira-dama visitaram uma ONG de animais abandonados no domingo, 6, logo que Luhana chegou em Brasília, com o marido, trazendo o vestido de Michelle na mala. Na segunda-feira, 7, elas visitaram outra ONG, essa dedicada a atender o público LGBTIQ em situação de vulnerabilidade.

A última missão de Luhana Pawlick foi ajudar Michelle a montar o look que seria usado pela primeira-dama em Cuiabá, na inauguração de uma delegacia de mulheres na cidade. Segundo Luhana, a interferência de profissionais na vida de Michelle é restrita: a primeira-dama cola o cílio e arruma o cabelo sozinha.

“Já trabalhei em lixão em vários lugares não vou ficar pagando cabeleireiro e maquiador sendo que eu posso fazer”, é a explicação de Michelle e assunto encerrado.

Cuidados com o coronavírus

Segundo Luhana, dentro do Palácio do Alvorada, todos os cuidados básicos em relação ao novo coronavírus foram adotados. Mais de 100 militares da aeronáutica, marinha ou exército realizam as tarefas de suporte ao presidente.

“Todos os funcionários usam máscara e sempre passam álcool em tudo. Para entrar na cozinha, só de touca e luva” explica Luhana. De acordo com a estilista, a família não usa mais o item de proteção no rosto, mas as outras pessoas, sim.

A experiência no Alvorada também rendeu algum contato com Bolsonaro. “Estive com ele, mas foi pouco o contato. Ele trabalha demais. Às vezes, dorme de madrugada e acorda cedo para trabalhar. Às vezes, dorme muito cedo, porque 3h, 4h da manhã, precisa estar acordado. Vi ele domingo na piscina com a família. Teve churrasco. Muito brincalhão, de chinelo, camiseta, bem de casa”, conta Luhana.

Dois lados da moeda

Para Luhana, o trabalho com a primeira-dama tem dois lados: o da visibilidade e o da crítica.

“Eu quis entrar com essa parceria e dar alguns vestidos para ela ao longo do mandato do presidente. Eu vi que muita gente disse: ‘pergunta sobre os 89 mil pra ela’, ‘ah, o vestido custou 89 mil’. Eu costumo separar as coisas. Quando faço uma roupa pra alguém, não fico perguntando de onde ela tira pra me pagar”, pondera Luhana.

A estilista catarinense que vestiu a primeira-dama está em êxtase. Segundo ela, Michelle poderia escolher qualquer outra pessoa, ou usar um dos presentes que ganha, como os vestidos de amigos da Carolina Herrera e peças da Chanel, Valentino, mas fez questão de usar o traje de uma brasileira, de uma catarinense.

“Meu pai antes de morrer disse: tens obrigação de ser melhor que eu. Olhei pra ele e falei: tá maluco! Como assim? Ele disse: ‘filha, se o pai chegou onde chegou, tens obrigação de ser melhor que eu’. Ainda estou batalhando, pessoas ainda duvidam de mim e algumas ainda estão pagando pra ver se sou tão boa quanto ele”, diz Luhana.

O menino pobre, que acumulou fortuna vestindo noivas e atendendo a alta sociedade catarinense, não vestiu uma primeira-dama. Sua primogênita chegou lá e colocou o sobrenome da família, mais uma vez, na história: Luhana Pawlick, estilista catarinense, vestiu a primeira-dama do Brasil no 7 de setembro de 2020.

Nícolas Horácio/Pelo Estado.