O Presente

                   Nos anos 60 do Século XX, nas pequenas cidades do interior do RS, os homens de origem pobre que se tornavam bem sucedidos costumavam realizar dois sonhos: – Comprar um cavalo de corrida e ter uma amante na zona. Foi o caso do meu amigo Braguinha. O nome do cavalo aqui não interessa, mas a moça era conhecida como Dadá. Até hoje não sei o porquê. Um detalhe importante é que ele era muito bem casado, com a doce Ritinha, a quem ele muito amava.

Quis o destino, sempre cruel, que ambas fizessem aniversário quase no mesmo dia. Naquele ano o da Dadá caiu numa quinta-feira e o da Ritinha seria no sábado. Ele prometeu à amante que pernoitaria com ela no dia do seu aniversário, no local do seu honrado trabalho. Portanto, pela manhã, passou numa farmácia e comprou-lhe um perfume. Simples. Baratinho. Mas de acordo com o gosto dela. Mandou embrulhar pra presente e jogou o pacotinho no porta-luvas. O presente da esposa ele compraria no sábado.

Ao meio-dia ele foi almoçar em casa. A sair para trabalhar a esposa pediu-lhe uma carona até à oficina, para pegar o carro dela que estava no conserto. Foram os dois. Ele desceu para pagar o conserto, enquanto ela ficou no carro. Nesse ínterim, a Ritinha, como todas as mulheres, muito curiosa, foi furungar no porta-luvas, encontrando o malfadado pacotinho. Mal o marido entrou no carro, ela já começou a xingá-lo, chamando-o de adjetivos que aqui não ouso reproduzir.

Mas o Braguinha, como bom gaúcho lá da fronteira, não nasceu de susto. Como gostava de dizer: – “Nasci de parto parido”. Com toda a calma que lhe era peculiar, argumentou para a esposa que o presentinho era para ela mesma e que iria fazer-lhe uma surpresa, entregando-lhe no sábado à noite. Mas a Ritinha, braba e ciumenta como o diabo, não aceitou o arrazoado.

Aos gritos, argumentou que ela não era mulher de usar perfumes vulgares e baratos, e que ele sabia muito bem disso. Berrou, então: – “Isso só deve ser para dar para alguma vagabunda!” Foi quando o Braguinha fez sua réplica: – “Olha, meu amor, eu não queria te falar, para não te preocupar, mas os negócios andam muito mal. Estamos quase falidos. Precisamos economizar muito. Mas eu jamais deixaria passar em branco o teu aniversário”. E para dar mais autenticidade à encenação, desandou a chorar… Aos prantos.

A Ritinha podia ser braba e ciumenta, mas era uma mulher sensível e de bom coração. E mais, amava o marido. Abraçou-se nele e começou a chorar junto, implorando perdão pela sua grosseria. À noite, o Braguinha nem saiu de casa. A Dadá, por sua vez, numa casinha humilde de uma rua barrenta e escura, com uma luzinha vermelha na frente, foi deitar-se sozinha. Apagou a luz do quarto, botou a cabeça no travesseiro, mordeu os lábios, soluçou e desandou a chorar, ensopando a fronha com suas lágrimas de amor. Que mundo cruel esse, não?