Bola de fogo
Gosto de caminhar cedo. Muito cedo. A paz do amanhecer acalma os meus sentidos. Tudo é muito sensível. Perceptível. Quem primeiro anuncia que um novo dia vai começar são os pássaros. Já tinhas notado? Eles não começam a cantar todos ao mesmo tempo. Não. Até entre eles existe um madrugador. Este inicia seu canto de forma tímida. Em tom baixo. Gradativamente, vão surgindo outros cantos. Então forma-se um coral. Alaridos e voos frenéticos, de lá para cá, buscando alimentos para os filhotes.
O Sol ainda não nasceu, mas já brilha no ar a tênue luz da alva. Enquanto isso, faço um suco de laranja. Ponho água a esquentar para passar o café. Descasco um mamão. Olho pela janela e vislumbro tons rosa, violeta, vermelho ou cor de cobre. Sei lá! E tinge-se a atmosfera de uma mescla de cores. O aroma do café recém passado impregna e se espalha pelo ambiente.
Com o copo de suco na mão, dirijo-me para frente de casa e olho para o mar. Agora sim, um tom forte de cobre esparrama-se pelo horizonte e nele, lentamente, vai surgindo uma bola de fogo, projetando a sua luz sobre a água. É o astro rei com toda a sua exuberância. O seu calor chega até mim e me afaga. Meu irmão, minha doce irmã, eu sou mesmo um coração de manteiga. Sem razão nenhuma, meus olhos se inundam de lágrimas.
Tomo meu café e dirijo-me para os fundos da casa, onde encontro o meu cachorro Mike. A alegria dele quando me vê é comovente. Corre em minha direção e pula sobre mim. Sacode o rabo freneticamente. Me cheira, me lambe, rosna e late numa euforia contagiante. Chamo-lhe pelo nome e lhe faço afagos na cabeça e no lombo. Saímos para a rua e iniciamos a nossa caminhada matinal. Ele é tal qual uma criança naqueles momentos que antecedem uma saída a passear com os pais. Corre na frente, porém, vez que outra, para e olha para trás. Me vê e parece que sorri, com a língua de fora. Sempre abanando o rabo. Alegre. Satisfeito. Seguimos nosso caminho.
A partir de então eu começo a falar comigo mesmo, como sempre. É a hora em que ponho as minhas ideias em ordem. Faço a minha oração. Sim! Por que te surpreendes? Eu também rezo. Não sabias? Pois é. Também tenho os meus sonhos, meus desejos, minhas inseguranças e meus medos. Acima de tudo, tenho consciência da minha fragilidade. Talvez a minha concepção de Deus seja diferente da tua e, por isso, as minhas orações também.
Questiono muito a figura de Deus. A única coisa de que eu tenho certeza é que existe uma inteligência infinitamente superior à minha. Reclamo por Ele ter-me feito tão frágil e limitado. Tenho certeza de que o meu corpo não tem nada a ver comigo. Meus pensamentos voam pelo infinito do Cosmo. Meu cachorro se aproxima e me olha. Parece que tem pena de mim… Das minhas dúvidas. Ah! Se eu não amasse tanto, talvez tudo seria mais fácil. Mais simples. Aspiro profundamente o ar. Enquanto isto uma bola de fogo brilha no Céu.