Desígnios do destino
Dias de chuvas são bons para se dar uma organizada na casa. Vasculhar gavetas. Remexer e organizar velhos papéis. Pensando e se movimentando lentamente, Branca ia tirando o pó dos livros, colocando-os em ordem, deixando bem à mão aqueles que mais gostava de reler. Cada exemplar que pegava, fazia-o com muito carinho, olhava a capa, a contracapa, folheava-o aleatoriamente e o recolocava no lugar.
De repente, ela se surpreendeu ao achar num cantinho da estante um velho livro de História do tempo do ginásio. Pegou-o com muito cuidado, tirando-lhe o pó com um pano. Bem devagar. Com um sorriso nostálgico nos lábios, folheou-o despretensiosamente. Lá numa página qualquer encontrou um bilhete amarelado esquecido no tempo. Não acreditou que o tivesse guardado. Era de um namoradinho, no qual ele marcara um encontro em que ela não compareceu. Sentou-se num sofá com o livro no colo e leu o bilhete: – “Branca, preciso falar contigo para decidirmos sobre o nosso namoro. Te espero na saída do colégio. Te amo. Beijo. Miguel”.
Miguel foi seu primeiro namoradinho, desde o primário, na década de sessenta. Os dois tinham mais ou menos a mesma idade. O namoro começara na infância até a adolescência de ambos. Foram tempos maravilhosos. Os dois se acertavam demais. Estavam sempre juntos. Dizer que ela era bonita é chover no molhado. Mas, que ela tinha um espírito alegre e romântico é indispensável. Seus gostos se assemelhavam. Conversavam sobre filmes, livros, poesias e músicas.
Riam por tudo e por nada. Quando não se viam, mesmo por pouco tempo, quase morriam de saudade um do outro. Ele sempre a esperava na saída da escola. Nos sábados, reuniões dançantes. Domingos pela manhã, encontros na saída da missa. À tarde a indefectível matinê. Ela amadureceu mais cedo, como costuma acontecer com as mulheres em relação aos homens. Ao concluírem o segundo grau, ambos tiveram que trabalhar. Já não se viam tão amiúde. Ela conheceu o filho do seu chefe, Mário. Bem mais velho do que ela e com a vida já encaminhada. Imagina! Tinha até automóvel!
Naqueles tempos achava-se que uma moça tinha que casar cedo. Um bom partido jamais deveria ser desperdiçado. A velha história do “cavalo encilhado.” Diante das pressões da família, Branca solidificou o namoro com Mário, rapaz sério, honesto e trabalhador. Bem que ela sentia falta do espírito alegre e irreverente de Miguel. Mas ela era jovem demais para avaliar com profundidade todas essas coisas.
Agora segurava o tal bilhete nas mãos… Trêmulas. Não fora ao tal encontro com Miguel com medo de ceder e perder um casamento promissor com Mário. Acabou casando com ele. O tempo passou. Ela separou-se. Casou de novo. Ficou viúva. Teve filhos e netos. Viveu alguns momentos felizes, outros nem tanto. Agora se perguntava, meditava: – “O que teria sido da sua vida, se tivesse ido ao tal encontro com Miguel?” Lágrimas lhe escorreram pela face, gotejando sobre o papel amarelado. São os desígnios do destino… Pensou. Pingos da chuva, como lágrimas, tamborilavam na vidraça.