Apenas alegrias
A juventude é um tempo que, se vivido de maneira saudável, é uma das melhores etapas da vida. Tudo é tão leve, tão delicioso, parece aquela brisa de final de tarde tocando o rosto da gente. Assim eu sentia a vida, vibrante e intensa. Eu estava apaixonada, completamente. Em tudo que fazia, ele estava em meu pensamento. Parecia que tínhamos algo que nos ligava como imã ao metal. Queríamos estar juntos, nem que fosse apenas para estar. Eu não sabia bem o que estava acontecendo em mim. Se de um lado eu sentia a paixão, o desejo; de um ângulo havia uma percepção de acolhimento, de proteção. Hoje, fico imaginando como seria se soubéssemos sobre o futuro. Teríamos tomada as mesmas decisões? Feito as mesmas escolhas? E a resposta seria, sim. De outra forma qual sentido teria a nossa vida? A cada dia, eu podia comprovar que não havia outro destino para nós.
Mas havia, nisto tudo, algo de perigoso e arriscado. O Joel tinha um lado malandro e namorador, para caramba. Embora ele tivesse uma namorada fixa, ele, naquela época já “ficava” com diversas outras meninas simultaneamente. Por isto havia pelo menos duas grandes preocupações. A primeira era em relação à aceitação dos meus pais. Claro, porque quem vive nesta geração nem imagina o que é isto. Entretanto, lá em 1987, ninguém namorava sem a permissão dos pais. E a gente obedecia. Engraçado, mas verdadeiro. Tinha toda aquela cerimônia de avisar a família, levar o namorado em casa, apresentar. Geralmente, havia um jantar. Uma galinhada, uma sopa, qualquer coisa que formalizasse o namoro. Eu não estava segura de que meus pais iriam aceitar que namorássemos. Por vários motivos.
Pense que não vivíamos as regras de hoje, aliás, hoje não há regras. Fica-se, namora-se, vive-se junto para experimentar primeiro. Não se trata de julgamentos. Apenas épocas diferentes. Preconceitos sempre existiram e existirão. Parece algo intrínseco ao humano. Mas vamos analisar a situação: eu era uma mulher separada. Já havia em mim um rótulo. Sexo, naqueles tempos era somente para quem era casado, pelo menos abertamente. Então existia aquele ranço: O Joel quer apenas aproveitar-se dela. Soa engraçado, não é? Era assim que meus pais pensariam, caso quiséssemos namorar.
Além disso, eu também tinha medo. Sou uma pessoa muito competitiva e não gosto de perder. Fazer papel de boba, jamais. Então, naturalmente, eu ficava analisando: e se eu terminar com o meu namorado e o Joel depois “me der um fora”? Esta era uma expressão muito usada. Daí, ficávamos trocando olhares, e um vulcão imenso estava dentro de mim. Não era apenas por perder o jogo. A questão era perdê-lo.
Depois daquele beijo, ele começou a escrever para mim, bilhetinhos. Pequenos recados que diziam sempre do seu amor, do seu desejo e da esperança que ele tinha que ficássemos juntos. Neste tempo, o restaurante do meu pai usava comandas de papel. Imagine uma folha onde tinha o cardápio, o lugar para assinalar o pedido e os preços. Depois de usadas, estas comandas viravam estes bilhetes que eu recebia dobrado em muitas vezes, até que o papel ficasse minúsculo e depois era grampeado muuuitas vezes, para eu ter trabalho ao abri-los. Escrever nunca foi o forte dele. A gramática, a pontuação e a caligrafia eram de chorar. Como o papel não tinha linhas, ele colocava uma régua e escrevia. Por isto a parte de baixo das letras eram quadradas.
Recebia todos os dias mais de um. Alguns sérios, outros divertidos. Sempre me traziam alegria, me faziam sorrir e cultivavam em meu coração o amor que mora aqui dentro até hoje. Contudo, a gente se via todos os dias, praticamente o dia todo. Trabalhávamos juntos, afinal. Mas os bilhetes faziam parte da rotina. Se eles não viessem, o dia estava incompleto para mim. A ansiedade de recebê-los e ler. Saber mais dos sentimentos dele por mim.
Naqueles linhas, nasciam sonhos. Desejo. Amor. Tão sincero, tão verdadeiro. Fico pensando, em meio a esta pandemia, onde estão os amores assim. Escondidos onde? Será que o estresse, a tensão, o medo ou a raiva são tão mais poderosos e podem matar até mesmo este tipo de amor? Ou será que as pessoas se tornaram autossuficientes, independentes e não precisam mais tolerar nada, ouvir o que não desejam, têm a liberdade de fazer o que bem entendem sem dar satisfação a ninguém? Importante deixar bem claro que não se trata de uma guerra de gêneros, homem e mulher. Tem muito mais a ver com ser feliz e não em querer estar certo. É sobre a leveza da vida e não sobre os pesados fardos das justificativas, das queixas e do desejo de mudar o outro para que ele ou ela se adeque a nossa vontade. Não defendo um amor que não questione e não reclame. Defendo apenas o amor, como ele é. E para que fique entendido, penso que a carta de Paulo aos Coríntios fala muito bem sobre como ele é, de verdade.
“…O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece. Não se porta com indecência, não busca seus interesses, não se irrita, não suspeita mal. Não folga com a injustiça, mas folga com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.” ¹
Lindo, não é? Mas os bilhetes do Joel não eram assim. Eram palavras simples, que tinham o desejo de provocar em mim o riso solto, o poder de fazer bater mais rápido o meu coração, de sentir um quentinho no meu peito que me trazia um conforto, como se me envolvesse num abraço. Guardo estes bilhetes amarelados até hoje. Tenho um na minha mão que diz assim: “-Olha eu aqui de novo. Só para você não esquecer. Estou sempre pensando em você, mas você não acredita.” Tem um aqui que é engraçado, deixa eu escrever uma parte: “- Cada dia fica mais difícil para mim. Meu pensamento é só você, jumenta! Hoje estou numa ótima. Sabe por que? Porque você ligou.” Imagina, me chamou de jumenta. Que comédia. Assim, passavam os dias. Sabe aquela sensação gostosa que você tem, de que o mundo inteiro se resume em apenas uma pessoa? Desde o momento em que você acorda, até o último segundo em que você fecha os olhos, é aquela imagem, aquele rosto, aquele sorriso que toma conta de todo o seu pensamento? Pois é, era assim. Quando escrevo agora, este tempo parece tão real. As mesmas sensações se apresentam agora. Fico pensando se ainda existem pessoas que desperdiçam estes momentos, será que tudo se modificou? Teríamos nos tornado tão exigentes? Tudo tem que ser perfeito, como naquela foto das redes sociais? Não há crítica nisto. Apenas a constatação de que a vida mudou. A simplicidade de rabiscos de amor numa comanda de restaurante pode não servir mais para este nosso século, tão tecnológico, científico e, por vezes tão vazio.
Ainda existiam os nossos respectivos parceiros, que não haviam sido dispensados ainda. Agora percebo que ele tinha o mesmo medo que eu: de terminar o namoro e de eu não querer namorar com ele. Afinal, ele era bem mais competitivo do que eu. Então, o nosso amor foi acontecendo. Durante a semana a gente se encontrava depois do trabalho. Apesar de ter ficado o dia inteiro perto. Mas aquelas horas eram as melhores, porque eram só nossas. Basicamente, conversávamos. Sobre tudo. E sobre nada. Nos finais de semana meu namorado vinha me visitar. E ele também visitava a namorada dele. Aposto que tem gente pensando que isto está muito errado. E talvez fosse mesmo. Mas a gente não via deste jeito. Olhando agora, parece que todos sabiam que ficaríamos juntos. Que não havia nada a dizer, já que estava explícito o nosso amor. Mas era só para nós. A gente não cogitava a ideia de estra traindo, sabe?!
Estávamos numa disputa para ver quem iria encerrar o namoro primeiro, se ele ou eu. Nenhum dos dois queria dar o braço a torcer. Não tínhamos pressa, afinal. Tudo era bom. Porque estarmos juntos era bom.
Bom, certo dia o inevitável aconteceu: a moça dele descobriu o nosso romance secreto. É claro que ela terminou o namoro. Então, ele ficou naquela expectativa gigante sobre o que eu iria fazer. Devo confessar que fui malvada. Deixei-o na dúvida por uma semana, ou seja, até o próximo final de semana em que meu namorado viria. Foi o fim do relacionamento que dava inicio à uma relação que durou 33 anos. E que foi incrível.
Enquanto escrevo, sinto saudades dele. Meu coração aperta, e as lágrimas vem aos olhos, não tem como segurar. Aliás, hoje foi um dia bem difícil. Os finais de semana são mais desafiadores. A caixinha onde guardo os recadinhos amorosos está aberta aqui na minha mesa. É uma caixa de sapatinhos de bebê, da minha filha caçula, a Emily. São papéis amarelados, cheios de lembranças de um tempo bom, de vivacidade, e guardam todos os bons sentimentos que um grande amor possui: gratidão, aconchego, confiança, respeito, alegria e aquela pitada de paixão e desejo.
Então, nossa história segue, pedindo sempre escolhas. Tínhamos que enfrentar outras etapas: decidir, contar aos outros sobre nosso romance, assumir que queríamos ficar juntos. Você acha que foi uma tarefa fácil? Que todo mundo aplaudiu e comemorou? Ou talvez você pense que foi uma guerra total. Qual a sua versão da história? Como será o próximo capítulo? Deixe aí nos comentários a sua opinião.
Ah, quero dizer que se por ventura você ama alguém de verdade, enfrente todos os obstáculos, porque vale muito a pena. Desejo uma excelente semana para todos nós!
Acredito q tenha sido uma tarefa muito difícil e q ambas as famílias ficaram contra.