Noites de bacará

Criada com muita repressão, única filha mulher, Lucinha não suportava mais os cuidados de que era alvo de parte dos pais, irmãos e da vigilância incansável dos falsos moralistas de Sombrio. Bonita, saudável e inteligente, com 16 anos, ela sentia todas as sensações típicas da idade, mas as reprimia.

Lucinha viu no Alaor a chance da sua liberdade. O rapaz possuía um armazém bem sortido e com boa freguesia. Noivaram e casaram. Passado o tempo ela notou que não era bem o que sonhava. Houve no início momentos de felicidade, com a satisfação sexual e a estufa de carinho que o marido lhe cercava. Mas quem poderá prever os sonhos e as fantasias que povoam a mente e a imaginação de uma mulher sonhadora? Ah! As mulheres…

Para o Alaor a vida se resumia em trabalhar, ganhar dinheiro e dedicar-se à família. Açoriano tradicional, honesto e trabalhador. Os negócios iam bem. Tinha Lucinha e um filho parecido com ele. Quanto mais o tempo passava ela ficava mais bonita e sensual. De menina passou a mulher. Andava, porém, calada pelos cantos. Lutava com um drama de consciência que a martirizava. Gostava e admirava o Alaor. Mas não o amava como antes.

Na pequena cidade nenhum homem a atraía. Mas os caixeiros viajantes, sempre eloquentes, educados e bonitos eram diferentes. Um, em particular, fazia Lucinha suspirar. Ela contava os dias em que ele viria. Então dava um jeito de aparecer no balcão do armazém. Seu nome era Gledson. Nome de artista de novela pensava ela… Romântica.

Gledson, sedutor, notou que Lucinha se interessava por ele. Intensificou as visitas ao estabelecimento. Alaor era chegado num jogo de cartas, chamado bacará. Numa certa noite Alaor saiu para mais uma noitada de bacará. Gledson, na cidade, aproveitou a ocasião e lançou uma cartada decisiva em cima da dama sonhadora. Deu certo.

Entre o Céu e a Terra nenhum segredo sobrevive. A cidade inteira se inteirou do caso. Passou a ser o assunto do dia. Todos sabiam e comentavam o romance. Menos o Alaor, claro. Nunca falta, porém, uma pessoa má e invejosa quê, vendo a felicidade de alguém, não resiste à tentação de destruí-la. Uma carta anônima foi enviada para o Alaor. Coitado.

As lágrimas do rapaz borraram o fatídico papel. Preocupado em não dividir o patrimônio e não se afastar do filho, decidiu-se por uma saída prática. Conversou com Lucinha, a qual lhe implorou perdão. Choraram juntos, abraçados. Decidiram dar-se uma nova oportunidade. Gledson, alertado da maldita carta, com medo, não mais visitou o armazém. Movimentaram-se as pedras no tabuleiro da vida. O tempo, inexorável, passou. A rotina se repetia. Os olhos de Lucinha voltaram a ser tristes. Longe, na estrada de chão que dava acesso à cidade, a poeira continuava a levantar. Veículos chegavam e partiam. Novos viajantes visitando a clientela. Um carro se destacou. Uma voz. Um olhar. Um homem. O coração de Lucinha voltou a disparar. E o bacará voltou a animar as noites da cidade…