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ColunistasComo tudo começou | Fumiko Kouketsu

Como tudo começou | Fumiko Kouketsu

Como tudo começou

Então, gente! Como estão? Lembram do último capítulo da nossa história? Pois é. Agora estávamos os dois livres e desimpedidos. Podíamos namorar, finalmente. Naquela segunda-feira, O Joel tinha um brilho diferente naqueles olhos azuis.  Para nós, o mundo tinha ficado gigante, tão cheio de expectativas e sonhos. Mas não foi tão simples como tínhamos imaginado.

Enquanto nós dois não víamos nada que pudesse nos impedir de sermos felizes juntos, meus pais, principalmente a minha mãe não estava nenhum pouco satisfeita com o desfecho da história. Achava que o Joel queria apenas sexo. Mães têm as suas preocupações extras.

A nossa vida poderia ter sido muito diferente. Assim que me separei, decidi ir atrás dos meus sonhos de menina: ser médica pediatra. Não havia nenhum impedimento. A universidade escolhida era a Unisinos, em São Leopoldo, minha cidade natal. Tenho uma tia, irmã do meu pai que ainda mora lá. Os planos eram bem simples: moraria na casa da tia Jandyra e cursaria a faculdade. Estava tudo bem planejado. Teria um futuro sensacional pela frente.

Mas aquele namorico mudou tudo. Decidi não ir mais. Abri mão para ficar por aqui, com ele. Muita gente pode achar que isto é uma insanidade. O destino é feito das nossas escolhas. Você pode perguntar se me arrependi. Devo ser sincera, em alguns momentos críticos da minha vida, sim. Muitas vezes imaginei como seria se tivesse me tornado médica. Moraria em outra cidade, casaria com outra pessoa, teria outros filhos? Seria mais bem sucedida profissionalmente? Esta era a pergunta que mais me incomodava. Nas voltas que a vida dá fiz vários balanços sobre esta decisão. Entretanto, pensava e sempre chegava à mesma resposta: tudo estava certa da forma como estava, apesar de tudo.

Mas quero contar a vocês uma parte da história que eu desconhecia nesta época, e só soube bem depois. O Joel vem de uma família de origem humilde, como já comentei aqui. Mas ele tinha sonho de torna-se um empresário de sucesso. Entretanto, na sua casa de infância não havia referências para tal: seu pai sempre foi colaborador numa madeireira, e também agricultor. Ele nunca gostou de estudar e sempre dizia que só ia à escola para comer a sopa. E aprontar, é claro. Então, ele via em meu pai um modelo a ser seguido.

Embora não tivesse perspectivas reais e concretas para transformar a sua posição de empregado para empreendedor, o coração mantinha-se sedento por conquistar seu próprio espaço. Ele tinha uma paciência invejável. Sabia esperar. Como já havia provado esperando por mim. Nosso namoro começou sem a permissão das nossas respectivas famílias. Se por um lado meus pais e demais familiares não se sentiam confortáveis com a nossa união pelas diferenças sociais; por outro lado a família dele, também se sentia da mesma forma, e pasmem: pelos mesmos motivos. Minha sogra, principalmente, era totalmente contra. Ela achava que era uma loucura namorar a filha do patrão. Nossas vidas tinham um estilo muito diferente. Ela sempre afirmava que ele não seria capaz de me proporcionar o que eu necessitava para ser feliz.

Incrível isto. A maneira como apega-se às coisas matérias, o valor que se dá a elas. Passados tantos anos, depois de tantas lutas que vivemos, tudo o que restou foram os bons momentos que vivemos. As risadas, a família linda que construímos. Uns meses antes do Joel partir, a Dona Lela, mãe dele esteve nos visitando. Contou que quando eu era apenas uma menina levada, eu desamarrava o avental que ela usava e dizia no pé do ouvido: “Eu vou casar com o teu filho.” Ela disse que sempre me repreendia e eu ria por causa disso. Fico imaginando se nosso destino já está traçado, ou se o nosso amor já era anterior à esta experiência aqui na terra.

Naquela época, quando a família não aprovava o namoro, não tinha jeito: ou abríamos mão ou tínhamos que namorar escondido. Olha que loucura. Então, nós dois decidimos que o nosso romance seguiria firme. A nossa rotina era simples: trabalho até o fim do dia. Então, estávamos o dia inteiro juntos. depois ele saía, como se fosse para casa. Eu dava uma disfarçada e logo depois saía a pé. Nosso encontro era na esquina mais próxima do restaurante, já que eu morava nos fundos do mesmo.  Quando a gente se via, a alegria enchia meu peito. Era todo dia como se fosse a primeira vez, o primeiro beijo.

Nos dias atuais, vejo poucos relacionamentos assim. Talvez a vida moderna tenha trazido com ela novos valores, ânsias mais voltadas para as necessidades exteriores. Pode ser que eu esteja enganada, mas nós tínhamos um desejo de estar juntos diferente dos casais de hoje. Claro, mudam as gerações, mudam os costumes. O Bairro Januária, era o cenário para os longos passeios que fazíamos, caminhando lado a lado, de mãos dadas, sonhando acordados com o futuro. Observávamos as casas, na época o bairro estava em crescimento, e havia uma que era como a descrição da casa que idealizávamos. Falávamos sobre o nosso desejo de ter o nosso lar, nossos filhos. Imaginávamos como seriam os nossos dias e as nossas noites. Todos os finais de tarde fazíamos isto. Confesso que eu pensei que faríamos a mesma coisa quando ficássemos velhinhos.  Então, relembraríamos do passado e riríamos de como fomos corajosos. Nos sentiríamos completos junto com nossos filhos e netos. Sentaríamos embaixo do pergolado no nosso quintal – como fizemos muitas vezes – e acompanharíamos os primeiros passos dos netinhos, misturados aos nossos cachorrinhos, (temos cinco) e seríamos felizes.  Não foi assim.  Não estamos mais no mesmo plano. Mas continuamos juntos através das nossas almas e por causa do nosso amor, que é eterno.

Nossas caminhadas duraram meses. Todo mundo contra a gente. Se de um lado eu estava feliz com ele, por outro me sentia chateada por causa da resistência das nossas famílias. Sinceramente, eu não entendia qual a razão para tantos obstáculos. Por que as diferenças sociais importam tanto? Qual o motivo de alguém sentir-se inferior porque não tem posses e por isto impedir os filhos de acreditarem em si mesmos? Por que minha família estava receosa de receber alguém de origem humilde, já que eles mesmos tinham um passado semelhante? Todas estas perguntas fervilhavam na minha mente. Mas eu não encontrava respostas, pelo menos nenhuma que me satisfizesse.

Os bilhetinhos continuavam chegando, muitas declarações de amor. Ele era, realmente, a pessoa que eu sempre desejei encontrar. Tinha a energia e a vitalidade que transbordavam através da imensa alegria que ele compartilhava com todos ao seu redor. Um menino honesto e trabalhador e uma alma generosa demais. Um talento nato para conquistar as pessoas. Carismático e cheio de paixão pela vida.  Me amava. Eu o admirava. O esforço que ele fazia para se tornar a cada dia alguém que meus pais considerassem ideal para mim era visível. Apesar de tudo, ele nunca teve raiva, jamais entrou em conflito e nem questionou. Passamos por maus bocados nesta época.

Certa semana fiquei muito resfriada. Por isto ficamos a semana inteiro sem nos vermos. Entretanto, os recadinhos eram a nossa forma de nos comunicarmos. Combinamos que no final de semana ele iria colocar o seu pescoço em risco e viria me visitar em minha casa.  O tempo demorou a passar. Imagino como ele deve ter se sentido. Eu estava otimista e ele também, de que teríamos um final feliz nesta história.

Finalmente o domingo a tarde chegou. Minha casa tinha dois andares e a escada ficava bem de frente a uma cozinha onde a família se reunia para as refeições. Estávamos no andar superior e decidimos descer. Minha família é grande, e estavam todos ao redor no fogão à lenha. Meus pais bem na frente da escadaria. Começamos a descer, quando chegou no meio do caminho, antes que terminássemos a descida eu peguei na mão dele e não soltei mais. Meu coração disparou e acredito que o dele também. Nossas mãos suavam. Era o medo do que podia acontecer que tomava conta de nós. Um número interminável de “e se” estava na nossa cabeça. Aqueles dois minutos até a chegada na cozinha foram como se fossem séculos. Deu tempo para fazer mil conjecturas. Centenas de desfechos.

Quando chegamos onde todos estavam não houve um silêncio, não houve reprovações, nada. Fomos acolhidos, aceitos. Que alegria. Poderíamos finalmente iniciar a nossa jornada juntos com o consentimento da minha família. Desde esta data passaram mais de 32 anos. Hoje também é domingo, agora, quando escrevo também é final da tarde. Não conseguiria descrever o que estou sentindo neste momento. Meu peito está dolorido, como quando a gente apanha muito, aquela dor que esmaga, aperta. Um nó na garganta para segurar o choro que insiste em estar presente. Uma pergunta que me inquieta o coração: será que um dia esta dor vai aliviar? Será que o peito, algum dia ficará curado? Também tem gratidão por tudo que vivemos juntos. Tem a fé em Deus, que me faz acreditar que tudo é segundo a vontade Dele, e ela é boa, é justa, é agradável. E uma imensa esperança de que a gente se encontre novamente.

Boa semana!

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