Nos idos anos quarenta do Século XX, numa longínqua pequena cidade da fronteira do Rio Grande do Sul com o Uruguai, morava uma modesta família com cinco filhos menores, cujas idades iam de quatro a dez anos. Eram tempos difíceis, pois recém havia terminado a II Guerra Mundial. A humanidade tentava se recuperar dos sofrimentos e, em especial, dos graves prejuízos causados à economia, que havia ocasionado muito desempregos e escassez.
Naquela cidade, numa singela casinha, morava a família referida. Entardecia, quase noite. Era dia 24 de Dezembro, véspera de Natal. Ao longe, ouvia-se o espoucar de foguetes e o badalar de sinos chamando fieis para celebrar uma missa em homenagem ao dia que antecedeu ao nascimento de Jesus Cristo. Em casas vizinhas também ouvia-se o alarido de pessoas manifestando alegria pelo mesmo motivo.
Não precisa se dizer que eram pobres. Mesmo assim os pais haviam feito um esforço enorme para comprar algumas coisinhas para as crianças. Presentinhos simples, claro, bem baratinhos, enriquecidos com um pacotinho de bolachas para cada um, coisa que não se comia todos os dias. Havia um ritual: As crianças enfileiravam seus sapatinhos, todos de uma simplicidade franciscana, um par ao lado do outro, ao lado de suas caminhas. Era aonde o Papai Noel lhes deixaria os presentes.
A mãe dirigiu-se à cozinha, a fim de ver o que tinha para preparar o jantar. Conforme falei, era uma época muito difícil. Ela dirigiu-se ao armário onde se guardavam os alimentos e sobras de refeições. É bom lembrar que naquele tempo raras família tinham geladeiras, que eram de madeira onde se colocavam barras de gelo. Refrigerador, nem falar. Ao abrir as portas do armário, ela verificou que ali havia três panelas. Uma tinha uns dois ou três bifes, outra uma porção de arroz e, a última, outra de feijão. A quantidade seria suficiente. De repente, ela ouviu sons de sinos tocando e lembrou que era noite de Natal. Inconscientemente, veio-lhe à mente a imagem da Santa Ceia, de Jesus com os apóstolos. Isto muito a sensibilizou.
Ela ficou triste, por não poder dar uma refeição melhor à família. Decidiu fazer uma comida requentada, que lá na fronteira se chama de “revirado”. Ela picou tomate, cebola, pimentão, alho e pimenta e foi preparando aquilo com todo o carinho, não conseguindo impedir que algumas lágrimas inundassem seus olhos. Pronta a comida, ela pôs à mesa e chamou a família.
Todos de banho tomado e com as melhores roupinhas. Sentaram-se alegres e devoram com prazer o alimento que ela preparara. “Que gostoso mamãe”, disseram alguns filhos. O marido também elogiou, perguntando: o que ela pusera na comida, que ficou tão saborosa? Ela enumerou os temperos, mas não citou o principal: o amor. O esposo levantou-se e foi abraçá-la. Ela encostou o rosto no peito dele e não conseguiu segurar as lágrimas. Os filhos todos levantaram e também foram abraçá-la. As crianças lhe perguntaram por que chorava. Ela respondeu: – “Por amor. Só por amor”.