Eles existem desde os tempos mais remotos da humanidade. E sempre existiram em todos e quaisquer sistemas políticos ou econômicos de governos. Em países ricos ou pobres eles sempre lá estiveram, e estão. São os andarilhos, mendigos ou pedintes, como quiseres denominá-los. A rigor, estão em toda parte. Aqui na nossa querida Sombrio é comum vê-los nos arredores da Igreja Matriz. Mais especificamente num misto de praça e campo de futebol que existe atrás da Igreja.
Não fazem mal a ninguém. Suas aparências sofridas e os andrajos que vestem ferem algumas suscetibilidades. Todos que eu conheço são bem mais educados do que muita gente que se diz boa. Com raras exceções, todos eles me conhecem e me chamam pelo nome. Talvez pelo fato de eu morar em frente do local onde eles habitualmente estão. A minha casa é a mais visada para eles pedirem alguma coisinha. Também pelo fato de eu fazer caminhadas diárias, cruzando-me com eles à toda hora, por toda parte. Trato-os com naturalidade e respeito. O que não é nenhum favor.
Quase todos são homens. Raramente tem uma mulher entre eles. São jovens, maduros ou idosos. Todos são alcoólatras. Certamente não possuem outros vícios por não poderem sustentá-los. Passam o tempo todo conversando entre si. Nessas confraternizações, é claro, consomem muita bebida. Aliás, como também faz a sociedade em geral. Mal alimentados, não dão o tempo necessário para seus organismos eliminarem o álcool. Assim, embriagam-se facilmente. Costumam dormir ao relento, mesmo em noites frias, às vezes chuvosas. Ao acordarem, a fome se lhes abate, e lá vão eles bater às portas, a pedir sobras de um alimento qualquer.
Ouço pessoas criticá-los com veemência, chamando-os de vagabundos. Algumas lhes negam até alimentos, alegando quê, se dessem, estariam incentivando a vagabundagem. Defendem a tese de quê, se eles passarem fome e frio, haverão de trabalhar. Será que estão preparados para isso? Dinheiro, então, nem pensar, porque seria para comprar cachaça. Respeito essas opiniões, mas, confesso, não consigo ser assim. Ajudo-os como posso e, quando me pedem dinheiro, jamais lhes nego.
Trago sempre à mão algumas moedas para eles. É tão pouco. Quase nada para mim, mas representa muito para eles. Para quem nada tem o pouco é muito. Antes que alguém me jogue pedras, quero dizer-lhes que tenho medo dos mistérios e dos perigos da vida e do Universo. Há tantas coisas que não consigo entender. Para as quais não encontro respostas. Não sei de onde vim, não sei para onde vou e nem mesmo sei quem sou eu. Às vezes também me sinto como uma criança abandonada. Como eles, acho que só mesmo bebendo uma cachaça para aceitar minha fragilidade.