102.9 FM
102.9 FM
Portal Amorim
ColunistasCrônica | Finalmente, meus doze anos | Llantada

Crônica | Finalmente, meus doze anos | Llantada

Finalmente, meus doze anos

Em janeiro de 1957 chegara a minha tão sonhada fase. Além de já ter atingido doze anos, em julho de 1956, havia concluído o ensino primário. Eu me sentia um homem… Um doutor. Naquele janeiro comecei a trabalhar como “office-boy” na Chapelaria Bento, na Rua dos Andradas, nº 1582, no centro de Porto Alegre. Eu ganhava 50% de um salário mínimo, o que a lei admitia. Nesse emprego eu varria a loja e a calçada; lavava os banheiros, recolhia papel higiênico e o lixo; fazia pequenos serviços de rua e, principalmente, entregava mercadorias a domicílio.

Usar chapéu era moda. Um homem sem ele era considerado miserável ou sem personalidade, em que pese os cafajestes também os usassem. Os grã-finos compravam os seus, mas não os levavam pelas ruas, pois as caixas que os embalavam eram grandes. Carregá-las era deselegante. Alguns encomendavam por telefone três ou quatro modelos, para experimentá-los em casa. E lá ia eu entregá-los. Eu era pequeno para minha idade, e magrinho. Tinha doze anos, mas aparentava nove ou dez. Certamente uma figura exótica, com aquelas caixas enormes pelas ruas.

Eu realizava entregas por toda cidade. Quando era em bairros distantes, meus patrões me davam o dinheiro para a condução. Às vezes eu fazia a pé longos trechos, a fim de eu ficar com o dinheiro da passagem. Os bondes não tinham portas. Assim, eu usava a minha destreza, que não era pouca, para, quando o cobrador se aproximasse, saltar do bonde em movimento. Claro, para ficar com o dinheiro da passagem para mim. Havia certo risco. Mas viver é correr riscos. Ao entregar chapéus em hotéis ou em casas de gente rica ou de classe média alta, as pessoas que me atendiam, ficavam surpresas com a minha figura. Praticamente uma criança com aquelas caixas nas mãos. As reações emocionadas e comovidas eram lucrativas para mim, pois as gorjetas ficavam mais generosas.

Algumas senhoras, ao me atenderem, mandavam-me entrar e sentar, enquanto os homens experimentavam os chapéus. Nesse ínterim, elas ficavam perguntando a minha idade, o meu nome, se eu estudava, etc. e tal. Era comum brindarem-me com uma fatia de bolo, um refrigerante, um chocolate ou balas. Gorjetas em dinheiro sempre.

Hoje não sinto vergonha de dizer que muitas me abraçavam e até me pegavam no colo. Diziam que tinham filhos ou netos parecidos comigo e me beijavam, deixando-me marcas de batom pelo rosto e testa, com as quais eu saía pelas ruas inocentemente. Algumas eu vi chorar, disfarçando as lágrimas, enquanto me abraçavam. Eu não entendia o porquê. Agora, choro por elas. Essa fase durou oito meses, pois logo iria trabalhar em escritório. Mas isto é assunto para próxima crônica.

Relacionados

spot_img
spot_img
spot_img
spot_img

Últimas Notícias


Damos valor à sua privacidade

Nós e os nossos parceiros armazenamos ou acedemos a informações dos dispositivos, tais como cookies, e processamos dados pessoais, tais como identificadores exclusivos e informações padrão enviadas pelos dispositivos, para as finalidades descritas abaixo. Poderá clicar para consentir o processamento por nossa parte e pela parte dos nossos parceiros para tais finalidades. Em alternativa, poderá clicar para recusar o consentimento, ou aceder a informações mais pormenorizadas e alterar as suas preferências antes de dar consentimento. As suas preferências serão aplicadas apenas a este website.

Cookies estritamente necessários

Estes cookies são necessários para que o website funcione e não podem ser desligados nos nossos sistemas. Normalmente, eles só são configurados em resposta a ações levadas a cabo por si e que correspondem a uma solicitação de serviços, tais como definir as suas preferências de privacidade, iniciar sessão ou preencher formulários. Pode configurar o seu navegador para bloquear ou alertá-lo(a) sobre esses cookies, mas algumas partes do website não funcionarão. Estes cookies não armazenam qualquer informação pessoal identificável.

Cookies de desempenho ⬎

Estes cookies permitem-nos contar visitas e fontes de tráfego, para que possamos medir e melhorar o desempenho do nosso website. Eles ajudam-nos a saber quais são as páginas mais e menos populares e a ver como os visitantes se movimentam pelo website. Todas as informações recolhidas por estes cookies são agregadas e, por conseguinte, anónimas. Se não permitir estes cookies, não saberemos quando visitou o nosso site.

Cookies de funcionalidade ⬎

Estes cookies permitem que o site forneça uma funcionalidade e personalização melhoradas. Podem ser estabelecidos por nós ou por fornecedores externos cujos serviços adicionámos às nossas páginas. Se não permitir estes cookies algumas destas funcionalidades, ou mesmo todas, podem não atuar corretamente.

Cookies de publicidade ⬎

Estes cookies podem ser estabelecidos através do nosso site pelos nossos parceiros de publicidade. Podem ser usados por essas empresas para construir um perfil sobre os seus interesses e mostrar-lhe anúncios relevantes em outros websites. Eles não armazenam diretamente informações pessoais, mas são baseados na identificação exclusiva do seu navegador e dispositivo de internet. Se não permitir estes cookies, terá menos publicidade direcionada.

Visite as nossas páginas de Políticas de privacidade e Termos e condições.

Importante: Este site faz uso de cookies que podem conter informações de rastreamento.