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ColunistasCrônica | Frio de chorar | Luiz Llantada

Crônica | Frio de chorar | Luiz Llantada

Frio de chorar

Quando eu tinha seis anos fui morar em Caxias do Sul. Numa manhã de inverno minha mãe me acordou cedo e chamou-me à janela para mostrar a neve que caía. Meus olhos se arregalaram e brilharam de deslumbramento, ante a beleza do cenário. Morávamos afastado do centro, no alto de um morro, no “Campo dos Bugres”, lugar pouco habitado. Na frente da nossa casa havia um campo e um arvoredo de mata nativa. Ainda trago na mente a imagem daqueles flocos, brancos como algodão, caindo suavemente sobre a relva e as folhas das árvores e arbustos.

Enquanto eu tomava café a neve foi se acumulando e estendendo um tapete sobre a grama. Eu estava eufórico com aquele cenário que eu via pela primeira vez. Vesti a roupa mais quentinha que eu tinha e calcei meias e alpargatas. Para quem não sabe, alpargatas era um calçado feito de lona com sola de cordas. Nada impermeável, pois não era a corda sintética que vocês conhecem, mas de juta. Talvez, juta alguns de vocês também não saibam o que é. Deixa pra lá. Certo é que tanto a sola como a parte superior das alpargatas não impediam a entrada de umidade. Pelo contrário, sugavam-na como um mata-borrão. Puxa! Hoje é o dia em que estou falando de coisas estranhas para vocês crianças e jovens. Desculpem-me, é da idade.

Mas vamos ao que interessa. Peguei uma bola de borracha e saí em desabalada corrida campo a fora. Eu e outras crianças corríamos, pulávamos e rolávamos na neve. Nós a pegávamos nas mãos e a jogava uns nos outros, e para cima, fazendo-a cair sobre nossas cabeças. Eu sentia aqueles flocos acariciarem o meu rosto. Tudo quilo me fascinava. Àquela altura a neve já estava acumulada, com cerca de cinco centímetros de altura. Meus pés se afundavam nela.

Ora, como tu bem sabes, a neve é água em estado semissólido. Muito gelada. Foi aí que a umidade penetrou nas minhas alpargatas, ensopando minhas meias e chegando aos meus pés. No início não liguei, pois era acostumado a brincar em dias de chuvas. Acontece, porém, que a temperatura muito gelada daquela umidade foi, lentamente, se fazendo sentir nos meus pés, a ponto de encarangá-los. Bem, minha criança, se não sabes o que é encarangar, agora não tenho mais tempo nem espaço para explicar-te. Pergunta aos teus pais. Vamos em frente.

Naquele dia eu descobri que o frio dói. E muito. Comecei a chorar de dor e corri para dentro de casa. Minha mãe me enrolou num cobertor, sentou-me à frente do fogão à lenha, esticando minhas pernas sobre uma cadeira e, abrindo a portinhola do fogão, colocou meus pés quase dentro do fogo. Serviu-me um café preto, bem quente, e pôs nele umas gotas de graspa, que é “cachaça” de uva. Parei de chorar… Parou o frio… Em compensação, nunca mais parei de beber.

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