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ColunistasCrônica | Meu Chevette verde | Luiz Llantada

Crônica | Meu Chevette verde | Luiz Llantada

Meu Chevette verde (Escrita em 2004)

Alguns amigos têm me aconselhado, e até rido de mim, porque ainda tenho o meu Chevette, ano 93. Ponderam que eu teria, na opinião deles, recursos suficientes para comprar um carro novo. Isto faria com que eu exteriorizasse uma imagem melhor perante a comunidade, amigos e clientes, por ser advogado. De cara, demonstram não estar bem a par da minha real situação econômica. Também não acredito que pessoas confiariam mais em mim pela aparência e idade do meu carro, do que pelo meu caráter e conhecimentos jurídicos.

Reconheço, porém, que, com algum esforço, diminuindo ou cortando alguns gastos como, por exemplo, deixar de beber ou beber menos, talvez eu pudesse satisfazê-los, comprando um carro novo. Todavia, deixar de beber está descartado. Beber menos? Quem sabe… Desde que não muito menos, é claro. Poderíamos negociar. Fiquei de pensar.

Haveria também a possibilidade de eu me esforçar mais, aumentando o número de horas trabalhadas. Aliado a isso, granjear mais clientes. Isso certamente aumentaria a minha renda. Ambas achei difícil, para não dizer impossível. Trabalhar mais na idade em que me encontro, sessenta anos, não pretendo mesmo. Optei por reservar mais tempo para mim. Fazer coisas que me dão prazer; caminhar e ler, por exemplo. Continuo com o Chevette.

Deixando um pouco de lado as questões materiais, por mesquinhas e pela minha frágil argumentação, há também o aspecto sentimental. Ah… Aqui sim é que me desfazer do Chevette ficou difícil. Sou um dos sentimentais mais apaixonado e chato que existe na face da Terra. Tenho a mania de me apegar a pessoas, animais, lugares e coisas com as quais convivo. E quanto mais duradoura a convivência, mais me afeiçoo a elas.

Com um outro carro que tive, um Gol, ano 83, mantive uma “união estável” de 10 anos. Separamo-nos, mas ainda o amo, apesar de toda a ferrugem que ele tinha da derradeira vez que o vi. Nunca mais me saiu da mente a última curva da vida que o vi fazer quando foi embora. Não pude evitar as lágrimas.

E agora? Como me desfazer do Chevette verde, ano 93? Ele me leva a toda parte, sem reclamar e jamais me deixar na mão. Ele é como aqueles antigos cavalos de padeiros e leiteiros, vai parando por conta dele, sem eu frear. Sabe direitinho os lugares onde costumo ir. Quando alguém pergunta por mim, as pessoas dizem: “Não sei onde ele está, mas está na cidade, porque o Chevette verde recém passou aqui.” Ou, “tá no Fórum, vi o Chevette dele lá na frente.”

Ou ainda, que viajei, porque viram meu Chevette sair da cidade, no trevo da BR-101. Quando não posso ir a algum compromisso, mando alguém no meu lugar, no Chevette. As pessoas respeitam meu substituto como se fosse eu, só pelo carro. Não há dinheiro que pague. Aliás, este é o mesmo sentimento que tenho por ti, meu raro e paciente leitor, devido a atenção e o carinho que me dás.

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