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Crônica | O dono do Mundo | Llantada

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O dono do Mundo

Faz parte da minha infância uma carreira profissional que começou quando eu tinha seis anos. Eu era assessor de outros empresários, meninos, um pouco mais velhos do que eu, dos quais, dois eram meus irmãos. Residíamos todos nos mesmos bairros nas cidades onde morávamos; São Gabriel, Caxias do Sul, Passo Fundo e Porto Alegre. Isso no início da década de cinquenta do século passado.

Nosso ramo era reciclagem. O nosso uniforme era calção, pés descalços e peito nu. Juntávamos pelas ruas, terrenos e campos: garrafas, ossos (não descartada a possibilidade de até alguns de humanos) e metais em geral. Nada nos escapava. Éramos como ratos. Recolhido o que podíamos carregar com os meios disponíveis, dirigíamo-nos a um “ferro-velho” e lá vendíamos a mercadoria. Aí era uma festa. Comprávamos refrigerantes, balas, gibis e íamos sempre às matinês dos domingos.

Cheguei a Porto Alegre com nove anos. Já com experiência, resolvi ser autônomo. Peguei um caixote e uma roda velha de triciclo e construí um carrinho de mão. Pintei-o de azul e colei um distintivo do Grêmio. Saía com ele para trabalhar, agora sozinho. Não precisava mais dividir o dinheiro. Uma vez por semana tinha feira no nosso bairro. Depois de fazer as compras da minha mãe, eu voltava e fazia carretos para terceiros. Algumas donas de casa, vez que outra, me pediam para ir numa farmácia, num armazém ou fazer um servicinho qualquer… E me davam gorjetas.

Aos doze anos, me formei no primário. Agora eu era “doutor”. Tinha que trabalhar em algo compatível com a minha formação. Consegui um emprego como “office-boy”, na Rua da Praia. Entregava mercadorias nas residências, em hotéis ou onde quer que o freguês quisesse. Ia a bancos, correios, repartições públicas, o que pintasse. Quando era longe, davam-me dinheiro para pagar o bonde, o que nem sempre eu fazia, pois saltava dele andando, antes que o cobrador chegasse até mim, já que os bondes não tinham portas. Destreza para isso não me faltava. Se fosse mais ou menos perto, eu ia a pé e ficava com o dinheiro da passagem.

Pequeno e magrinho, quando eu chegava aos destinos as pessoas se encantavam comigo, especialmente as mulheres, pois me achavam muito criança. Eu exteriorizava uma imagem inocente e frágil. Aí a gorjeta era generosa, além de balas e chocolates que eventualmente rolavam. Algumas mulheres, comovidas, ajoelhavam-se, me abraçavam e me beijavam, chamando-me de meu filho, deixando-me na face e na testa marcas de batom. Juro que eu vi, algumas vezes, lágrimas em alguns olhos ou rolando pelas faces. Faceiro, com manchas de batom pela cara eu saía à rua, com as moedas tilintando nos bolsos. Eu me achava “o dono do mundo”. E era!

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