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Crônica | O Exército de Lúcifer | Luiz Llantada

O Exército de Lúcifer

Na manhã seguinte à morte do escritor português José Saramago, ocorrida em 18.06.2010, eu entrava no banho, como de hábito, acompanhado do meu fiel radinho de pilha. Era um dia frio. Liguei o chuveiro bem antes para a água esquentar, que não sou tão bobo quanto pareço. Ao tentar sintonizar uma emissora que eu costumava ouvir, acabei parando numa outra aleatoriamente, quando um locutor anunciava a morte do renomado escritor. Fiquei ali, para ouvir o que iam dizer. Lida a notícia, entrou no ar uma segunda pessoa, para comentar o fato.

Não identifiquei a rádio, pois havia muito vapor dentro do “box”, mas vi logo que se tratava de uma dessas, ou o programa em si, vinculados a uma Igreja Evangélica e que o comentarista que entrava era um pastor. Eu, na minha ingenuidade, esperava que ele viesse dizer quem foi Saramago. Comentasse suas obras, falasse da sua biografia e dissesse que tipo de homem ele era e o que pensava. Mas nada disso fez, o que frustrou a mim e, certamente, inúmeros ouvintes. Limitou-se a dizer: “Este já foi tarde, porque pertencia ao Exército de Lúcifer”!

Caramba! Fiquei estarrecido com o que ouvi. Em primeiro lugar, porque eu confesso, na minha ignorância, não saber que exército é esse. Presumo que ele quis dizer que Saramago tinha conluio com o Diabo. Eu cheguei a esta conclusão porque sabia que o escritor luso era ateu. Não só era ateu, como tinha a coragem e a pureza de confessar que era. Agora… Dizer que o homem tinha parte com o demônio, só porque expressou a sua opinião, é lamentável… E muito triste.

Eu não aceito alguém rotular uma pessoa, com tanta maldade, só porque ela expressou o seu pensamento. Veja-se, por exemplo, o caso deste escritor, um dos mais inteligentes que a humanidade já teve, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura, de 1998 e do Prêmio Camões, de 1995, que é o mais importante de Portugal. Saramago, um gênio da literatura e da poesia universal. Nunca se soube de algum crime ou maldade cometidos por ele. A não ser que o nobre comentarista ache que é crime não acreditar em Deus, do quê não duvido. É direito “sagrado” de o cidadão acreditar, ou não. E direito maior ainda o de exercer a livre expressão do pensamento.

O referido pastor deixou transparecer que não tinha cultura nenhuma para comentar a vida e as obras de Saramago. Partiu logo para o fanatismo religioso, que é o pior de todos. Além de ignorante, coitado, foi ridículo. Talvez ele tenha agradado pessoas tão fanáticas e despreparadas quanto ele. Deveria ter dito o que sabia, e calado sobre o que não sabia. Após, aí sim, dizer com o que não concordava, e fundamentar o porquê. Se nada sabia, então que lesse apenas um texto a respeito de Saramago, cumprindo, assim, a sua missão de comunicador, que é levar conhecimento e cultura ao seu público. Jamais pregar o ódio religioso, que já causou tantas vítimas, sofrimentos e atrocidades no curso da História. Isto sim, todos os religiosos e ateus deveriam saber e divulgar.

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