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Crônica | O Incendiário | Llantada

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O Incendiário 

 Eu tinha quatro anos. Morávamos em Rosário do Sul(RS). Eu sou o mais moço de cinco irmãos. Por isto era muito mimado de meu pai, que chegou a colocar no meu segundo nome o seu próprio: Epifânio. Não sei se ele gostava mais de mim ou eu dele. Eu era “puxa-saco” dele e andava sempre à sua volta. Ele tinha a mania de juntar lixo num canto do pátio para por fogo no final de semana. Reunia galhos de árvores, arbustos, gravetos, grama seca e papéis. Para mim era uma festa a hora de colocarmos fogo em tudo aquilo. Ele achava graça de mim, da minha faceirice e fingia aceitar a minha ajuda.

  Dona Frausina era uma vizinha. Gente educada diria que ela era idosa e circunspecta. Eu, na minha pureza de criança, achava ela uma velha chata e ranzinza. Morava sozinha e sua maior alegria era a criação de galinhas. Talvez vendê-las e os ovos fosse sua única fonte de renda. Ela tinha um extremo carinho e orgulho do seu plantel. Seu galinheiro extremava com o nosso terreno. A cerca que separava os pátios era de taquara. Ah, o galinheiro também. Estávamos no mês de janeiro e fazia forte calor e uma seca danada, de forma que aquelas taquaras se constituíam num combustível perigoso. 

 Numa tarde, num meio de semana, eu estava sozinho no pátio. Com a inocência de criança, resolvi me divertir fazendo uma fogueira. Sorrateiramente, entrei na cozinha de minha mãe e surrupiei fósforos. Reuni uns gravetos e toquei fogo neles. O fiz muito perto da cerca e do galinheiro de Dona Frausina. De repente, o fogo cresceu e se expandiu pela cerca e pelo lar dos galináceos. Eu fiquei apavorado, pois, além do fogo em si, aquelas taquaras causavam estrondos terríveis, o que chamou a atenção de minha mãe e da vizinhança. Eles pensaram que fossem foguetes espocando. Antes fosse. 

 Galos e galinhas, aos cacarejos estridentes, ruflando as asas e sacudindo as penas chamuscadas, voavam por cima das cercas e corriam pelos pátios. Dona Frausina berrava: Minhas galinhas! Minhas galinhas! E corria atrás delas. A vizinhança toda acorreu. Prostitutas e gigolôs que tinham seus estabelecimentos próximos, esqueceram seus nobres ofícios e vieram acudir. Estranhei que honrados cidadãos também correram… Mas para outro lado. Optaram que se queimassem as galinhas, não suas honras. Mundo cruel. 

O prefeito, que passava de carro, parou para olhar. O padre, no afã de proteger seu rebanho do fogo do Inferno, se fez presente. A polícia veio para ver se era briga de vizinhos. Aplacada as chamas, todos voltaram os olhos para mim. Eu, de cima de um cinamomo, a tudo observava. Meu pai indenizou à vizinha. O prejuízo foi pouco. Achei que eu ia apanhar. O velho, porém, me pegou no colo e, enquanto eu chorava e soluçava, ele me abraçava contra o peito… E ria. Esse era o meu pai. Naquele dia ganhei o apelido de “Incendiário”. 

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