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Crônica | Tragédia doméstica | Llantada

Tragédia doméstica

               Lá pelos anos de 1980, a Verinha, comprou um microondas. Nunca cheguei perto dele, e olhava-o com desconfiança. Às vezes soava um apito diferente dentro de casa. Em sobressalto, eu pulava do sofá e corria à cozinha para saber o que estava acontecendo. Era o micro avisando que um alimento já estava pronto. Jamais mexi nele, sempre alguém fazia isso por mim. Mas… Sempre tem um “mas” nesta vida. Uma noite, eu ainda não tinha chegado em casa e a Verinha tinha ido a uma aula não sei do quê. Ela deixou um bilhete: – Tem um prato de comida no micro. É só tu apertar o botão “2” e, quando apitar, está pronto.

             Aproximei-me sorrateiramente da engenhoca. Olhei dentro e lá havia um prato. Uma sobra do meio-dia; massa com galinha. Estudei o equipamento e localizei a tecla “2”. Ativei-a. Um ruído estranho soou e uma luz interna acendeu. Dei um pulo para trás. Pensei que havia ocorrido um curto-circuito. Felizmente não. Até aqui, tudo bem, pensei. Com todo o cuidado, me curvei e olhei dentro do aparelho. Mais um susto! O prato girava lá dentro como um disco de vinil numa vitrola. Coisas do meu tempo. Como não havia fogo nem fumaça, mantive a calma. Esperei para ver no que dava. Dois minutos depois o apito soou. Oba!

              A luz apagou e o prato parou de girar. Fez-se um grande silêncio. Parei de tremer. Minha fome voltara, e eu desejava ardentemente saborear aquele manjar. Abri uma garrafa de vinho e ajeitei uma mesinha pra mim. Só faltava retirar o prato. Isso deve ser barbada, imaginei. Mais um obstáculo: – Como chegar nele, se a porta do microondas permanecia fechada?

            Procurei uma maçaneta, uma tecla, enfim, que indicasse como abri-lo. Nada! Pensei. Ah! Deve ser só puxar a porta, como se faz com a geladeira ou o freezer. Tentei. Nada. Forcei. Fiz mais força, o micro deslizou sobre o balcão e caiu metade para fora, inclinando-se, só não despencou no chão porque eu o aparei no ar. O prato lá dentro virou, derramando seu conteúdo. Uma lambuzeira danada. Mas ainda dava para comer. Mas como abrir o maldito equipamento?

           Liguei para a casa de uma amiga, ninguém. Pensei em ligar para outros amigos e conhecidos. Mas fiquei com vergonha. Procurei o manual e, claro, não achei. Olhei o relógio, a Verinha ia demorar. O prato lá dentro. E eu ali fora, faminto. Derrotado, saí e comprei um cachorro-quente, o qual devorei com o vinho que abrira, olhando com desconfiança e raiva para o tal de micro.

       Ao voltar, a Verinha me perguntou se eu já havia jantado. Respondi que sim. Envergonhado, narrei tudo. Depois de muitas gargalhadas, ela mostrou-me que bastava pressionar um canto do micro, onde nada havia sinalizado, e a porta se abriria. “Vocês homens são tudo igual”, disse ela. Desde então me recuso sequer a olhá-lo. Peço ao leitor que não conte esta história para ninguém.

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