Entenda por que o romance é o segundo livro mais traduzido do mundo e continua sendo aclamado pelos leitores em pleno século 21
Em 16 de janeiro de 1605, na capital da Espanha, era publicada a primeira parte do romance que marcaria gerações. Na lista dos livros mais vendidos da história, o clássico Dom Quixote de La Mancha, escrito por Miguel de Cervantes, ainda cativa o coração de leitores do mundo todo. Você pode não ter lido esse calhamaço de quase 1500 páginas, mas provavelmente já ouviu falar do fidalgo delirante que sai pelo mundo com seu fiel escudeiro, Sancho Pança, e seu cavalo, Rocinante, lutando contra moinhos de vento.
A segunda parte da obra foi lançada em 1615, somente 10 anos após a publicação da primeira. Essa duologia é considerada o primeiro grande romance da história da literatura universal e já vendeu mais de 500 milhões de cópias, número que fica pouco atrás da Bíblia Sagrada. O famoso Dom Quixote de La Mancha, também conhecido como “O Cavaleiro da Triste Figura”, chegou a inspirar o termo “Quixotesco”. Segundo o Dicionário Online de Português, a palavra significa “desligado da realidade; que age impulsiva, sonhadora e romanticamente; sonhador”.
Com personagens cômicos e um enredo que satiriza as antigas novelas de cavalaria, ao longo dos 126 capítulos, o romance narra as aventuras de um cavalheiro rural chamado Alonso Quijano. O fidalgo enlouquece após ler livros de cavalaria em excesso e sair pelo país em busca de aventuras e para impressionar Dulcineia, sua donzela amada. Ele adota o nome de Dom Quixote e convida seu vizinho, Sancho Pança, para se tornar seu escudeiro.
Curiosamente, todos os anos o Círculo de Bellas Artes de Madrid recebe o evento “Lectura Continuada del Quijote”, em que um grupo de fãs se reveza para ler a obra completa de Cervantes ininterruptamente. Em 2024 o evento chegou à 28ª edição, que foi gravado e está disponível no canal oficial do Círculo no YouTube.
Por que ler Dom Quixote?
A professora Maria Augusta da Costa Vieira, especialista em Dom Quixote, define o protagonista como “Louco na ação, mas absolutamente sensato na fala e no pensamento”. Os longos diálogos entre o Cavaleiro da Triste Figura e seu fiel escudeiro suscitam reflexões sobre grandes dilemas da humanidade, como a justiça, a liberdade e o amor.
Desde o início, a obra escrita por Miguel de Cervantes já nos leva a provocações. O prólogo do livro inicia com o aposto “Desocupado leitor”, que é um prelúdio ao tom burlesco que a narrativa toma ao longo do livro. Com uma narrativa em prosa bem-humorada, o autor consegue transportar o leitor para o mundo de peripécias dos personagens.
O romance é indicado para todas as idades. Apesar da complexidade e da linguagem arcaica, há edições que trazem uma tradução simplificada e que contém notas de rodapé para situar o leitor. Há também opções adaptadas para crianças (com a história resumida).
Além da história intrigante, é interessante se dedicar a leitura para expandir o repertório cultural, já que o livro serviu de inspiração para outros autores, filmes, séries, pinturas e até mesmo para um musical da Broadway. Segundo alguns pesquisadores, Dom Quixote é o primeiro romance moderno do mundo, um marco na história da literatura mundial.
Devido a sua importância, Dom Quixote se tornou uma das principais obras obrigatórias exigidas para diversos vestibulares. No ranking de best-sellers mundiais, o livro ocupa a segunda posição, atrás apenas da Bíblia Sagrada, e foi traduzido para mais de 50 línguas.
Como prova da popularidade da obra, 100 grandes escritores de 54 países participaram de uma eleição promovida pelo Instituto Nobel Norueguês (Det Norske Nobelinstitutt) em 2002, para escolherem as dez maiores obras da literatura mundial. Dom Quixote recebeu 50% mais votos do que qualquer outra. Inclusive, o livro era um dos preferidos do famoso escritor e filósofo russo, Fiódor Dostoiévski, que afirmava que “Nada existe de mais profundo e poderoso no mundo inteiro do que essa peça de ficção”.
Ironicamente, Miguel de Cervantes não gostava de novelas sobre cavalaria
Foi por esse motivo, inclusive, que ele decidiu escrever o que se tornaria a sua obra-prima. Cervantes defendia que as histórias cavaleirescas, populares na Espanha durante a Idade Média, não eram benéficas à população. Para ele, as histórias contidas nesse tipo de livro eram muito fantasiosas, o que poderia levar o público a não diferenciar as histórias ficcionais das não-ficcionais. Além disso, o autor achava que elas distanciavam os leitores da boa literatura.
Como uma forma de satirizar esses textos, Miguel de Cervantes decidiu escrever sobre um fidalgo que enlouquece após ler muitas novelas de cavalaria: o Dom Quixote de La Mancha.
De militar a escravo e, por fim, a escritor – conheça a trajetória de Cervantes
Assim como o protagonista do clássico, o autor também teve uma vida regada de aventuras. Miguel de Cervantes Saavedra nasceu em 1547, em Alcalá de Henares, na Espanha. Aos 23 anos, prestou serviço militar na Itália e, como soldado profissional, participou da épica Batalha de Lepanto (1571), em que o Império Otomano na Grécia foi derrubado pela Liga Santa. Durante a batalha, feriu-se gravemente, tornando a mão esquerda inutilizada. Em 1575, ele foi capturado por piratas enquanto retornava à Espanha, e transformado em escravo de um desertor grego – após inúmeras tentativas de fuga fracassadas, Cervantes foi enfim resgatado em 1580.
Publicou a primeira parte de Dom Quixote aos 58 anos, que foi um sucesso imediato e lhe rendeu muita popularidade. Além da grande criação de Cervantes, ele escreveu outros 15 romances. Dentre os mais famosos, o idílico “A Galatea” foi publicado em seis peças no ano de 1585. A coletânea “Novelas Exemplares” foi divulgada em 1613, antes da segunda parte de Dom Quixote. O autor também produziu textos para o teatro e obras poéticas.
Alguns historiadores acreditam que romance mais famoso do autor foi projetado em 1597, enquanto Cervantes estava em uma prisão de Sevilha, resultado do uso indevido de dinheiro público (ele era coletor de impostos na época). Morreu aos 68 anos, em 1616. Não deixou cartas nem diários.
Texto: Mariana Machado – Acadêmica de Jornalismo