Caro leitor,
Nesta semana vamos conversar sobre um tema que desde o último dia 07 de novembro de 2023 tem preocupado os imigrantes. A demissão do Premier Antonio Costa (PS) do governo português fez soprar ventos fortíssimos na política do país luso. Entretanto, para entender o furacão que passou por Portugal é importante compreender em linhas gerais, como funciona sua estrutura de governo.
Diferentemente do Brasil que possui uma república presidencialista na qual o presidente da república é o chefe de estado e também o chefe de governo, em Portugal, o sistema adotado é o semi-presidencialista. Neste, o chefe de estado é o presidente da república, no entanto, o chefe de governo é o primeiro-ministro. Enquanto aquele desempenha papel simbólico e cerimonial, este concentra as tarefas do gabinete do Poder Executivo. Grosseiramente, um aperta mãos e corta fitas, o outro, por sua vez, é a pessoa que possui “a caneta à mão” e mais do que isso, detém as chaves da porta do Palácio de São Bento, sede da Assembleia da República.
Nas últimas eleições o Partido Socialista (PS) obteve maioria absoluta na votação para a legislatura 2022-2026. No total foram 42% dos votos e 120 deputados na Assembleia (que se equipara à Câmara dos Deputados no Brasil), número bastante expressivo se considerarmos a quantidade de assentos da casa, que totaliza 230 representantes. Foi neste cenário e, sobre a promessa de estabilidade política que António Costa formou o 23º governo português.
Contudo, sua gestão foi maculada pelo caos nas urgências dos hospitais durante a primavera/verão de 2022 e pelo escândalo que envolveu o Ministro das Infraestruturas e da Habitação – Pedro Nuno Santos – que ordenou a construção de dois novos aeroportos em Lisboa, capital do país. Naquela altura, o mesmo foi veementemente rechaçado pela mídia e rapidamente desautorizado pelo então Premier. Para o leitor ter ideia, em janeiro de 2023 o governo de Costa já contava com 13 demissões em menos de um ano segundo já noticiaram as manchetes portuguesas. Estabilidade? Sim… Mas nem tanto!
Recentemente, após novo escândalo António Costa apresentou sua demissão do cargo de chefe de governo. Isso ocorreu em meio às suspeitas de uso do seu nome em um caso de tráfico de influência (Operação Influencer, desencadeada pelo Ministério Público português) o qual supostamente visava facilitar procedimentos para a implementação de uma central de hidrogênio verde e um data center em Sines, no distrito de Setúbal – sul do país – e duas explorações de minas de lítio em Trás-os-Montes, na região norte de Portugal, pautas estas que estavam em um pacote do seu governo para transição energética do país, visando o uso de energias limpas.
Esta demissão fez Portugal experimentar uma crise política imediata que pode ter efeitos adversos sobre o futuro da nova Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA), que substituiu o então Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) logo no começo deste mês conforme já falamos em colunas anteriores. Instaurada a crise com saída de Antonio Costa, o presidente Marcelo Rebelo de Sousa já antecipou novas eleições para o dia 10 março de 2024.
A substituição do SEF pela AIMA tinha como objetivo ser uma solução mais benéfica para a comunidade imigrante. Segundo os defensores do projeto a intenção era garantir um atendimento mais adequado, eficaz e humano. Por outro lado, tendo em conta a demora do Partido Socialista em fazer valer a criação desta Agência, a desorganização e o acúmulo de incontáveis problemas dos imigrantes – herança deixada pelo SEF – observamos que o governo em Portugal passou anos de mãos em mãos como um cão que corre atrás do próprio rabo: às voltas e sem sair do lugar.
Qualquer semelhança neste sentido com o Brasil não é mera coincidência, afinal nossas últimas legislaturas dependeram de inúmeros conchavos e acordos políticos para fluírem e, como sabemos muitas coisas não correram nada bem por conta disso. Em Portugal pelo que percebemos tudo dependerá de quem estará à frente da futura pasta, além da boa ou má implementação das políticas migratórias da nova agência. Outro impacto desta demissão nas questões imigratórias é o fato de o governo português, até então chefiado pelo seu Premier não-branco, ter sido o único a nomear uma ministra da justiça igualmente negra – Francisca Van-Dunem – a qual foi uma referência para a comunidade afrodescendente em Portugal.
Com o presente já cambaleante, a Agência para a Integração, Migrações e Asilo corre o risco de estar com os dias contados caso não acelere o passo até as eleições. Primeiro porque Portugal pode virar à Direita com o reforço de poder dos quatro partidos que seguem este posicionamento político e, cuja opinião foi contrária à extinção do SEF. No domingo do último dia 12/11 o Presidente da República Portuguesa recebeu em reunião o deputado André Ventura, líder do Partido Chega, que acusou o Governo Socialista de Antônio Costa de “irresponsabilidade” no processo de transição de competências e atribuições do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras para, os demais organismos já existentes, bem como para a recém-criada AIMA.
De fato, nem mesmo os imigrantes conseguiram compreender quais foram as vantagens e os efeitos imediatos que o processo de substituição do SEF teve. Os recursos humanos do extinto órgão foram distribuídos entre a Polícia de Segurança Pública – PSP, a Guarda Nacional Republicana – GNR, a Polícia Judiciária – PJ, o Instituto de Registros e Notariado – IRN, a Unidade de Coordenação de Fronteiras e Estrangeiros – UCFE, a AIMA, neste já referenciada e a Autoridade Tributária – AT.
Várias dúvidas pairam no ar, mas a maior delas é como estas autoridades estão interagindo, vez que o governo não deixou isso bem delineado. Nem mesmo dentro da advocacia portuguesa há um consenso claro a respeito. De momento seguem os costumeiros atrasos em renovações de autorização de residência que já ocorriam no SEF, a ausência de vagas para a concessão destas autorizações e, de quebra, o estreitamento na fiscalização dos imigrantes nos quatro cantos do país.
Com as novas competências as polícias estão mais atuantes, fazendo “batidas” para verificar os documentos das pessoas no objetivo de encontrar irregularidades, as quais sabemos que infelizmente existem, em parte por culpa do governo, porém em maior parcela, por conta do desleixo e despreparo de quem imigra sem a devida organização e responsabilidade.
Inclusive, a propósito, este que vos escreve foi seguido pela Guarda Nacional Republicana – GNR enquanto dirigia no último domingo e abordado em um estacionamento de supermercado, no qual iria utilizar o serviço de secagem de roupas de uma lavanderia local. Apesar do constrangimento e dos olhares tortos das demais pessoas à volta, fui liberado sem delongas, pois estava com toda a documentação de acordo com as regulamentações portuguesas. Como diz o ditado, “quem não deve, não teme”. Apesar do inconveniente, situações como estas fazem parte da vivência de todos nós, cidadãos estrangeiros ou não. Não é nada pessoal, ao menos por enquanto. Para quem transita dentro das leis em qualquer país, são praticamente nulas as chances de um imigrante encontrar problemas com as autoridades.
Caminhando para o final da coluna desta semana, e aqui tocando no ponto central desta conversa, acredito ser pouco provável que o Estado Português volte a recuperar o modelo do antigo SEF, considerando todas as deficiências já conhecidas do referido órgão. Entretanto, isso dependerá da existência ou não de uma coligação do Partido Social Democrata (PSD) com a extrema-direita conservadora, xenófoba e racista, cenário que não podemos ignorar. Outra questão é que a convocação de novas eleições para o dia 10 de março de 2024 abriu a possibilidade para termos no governo os políticos conservadores do Partido Chega, sem os quais o PSD e a Iniciativa Liberal [partidos da Direita com assento parlamentar] não poderão formar governo, conforme temos observado nas pesquisas de intenção de voto feitas pelo país.
De toda forma, seguimos na esperança de que os governantes portugueses percebam o papel fundamental que os imigrantes desempenham na economia, atuando para melhorar as políticas de imigração visando regulamentar e dar celeridade aos processos de regularização daqueles que aqui decidem viver e contribuir com o país. Por hora, conjecturar é a única coisa que podemos fazer, enquanto aguardamos o vento parar de soprar para que a poeira assente e as coisas fiquem às claras. Ainda é cedo para avaliar como ficarão as políticas públicas no campo da imigração após toda esta turbulência, de modo que só o tempo e as próximas eleições nos darão o norte para entender por qual caminho Portugal seguirá.
Com informação, carinho e dedicação, Daniel Nunes Ramos, diretamente de Alenquer – Lisboa – Portugal, para o Portal Amorim.