Caros leitores,
Para entender o que está acontecendo no cenário político português, antes de qualquer coisa é necessário compreender a história recente do país e como seu sistema político está estruturado.
Diferentemente do Brasil que possui uma república federativa em que a figura do Chefe de Estado e de Governo se concentra em seu presidente, Portugal por sua vez, República Parlamentarista, possui um presidente que é o Chefe de Estado e um primeiro-ministro que faz o papel de Chefe de Governo. Enquanto o primeiro representa Portugal a nível internacional, cortando fitas e apertando mãos, internamente o segundo é quem detém de fato as chaves do cofre e a caneta à mão.
A democracia parlamentar lusa é baseada na lei e o principio do Estado Democrático de Direito, garantindo a igualdade de todos os cidadãos perante a mesma e protegendo seus direitos fundamentais, sendo o poder político exercido pelo povo por meio de eleições regulares e, assim como no Brasil, a democracia Portuguesa é recente. O país a adotou como forma de governo após o fim da ditadura e do período conhecido como Estado Novo, regime autoritário liderado por António Salazar que teve fim em 25 de abril de 1974, com o movimento que ficou conhecido como A Revolução dos Cravos.
Como características principais o regime de Salazar tinha orientação antidemocrática, antiliberal, corporativista, colonialista e, por muitos foi considerado fascista, dado que pregava o nacionalismo, era militarizado e, sobretudo, se utilizava de violência contra qualquer tipo de oposição que lhe tentasse cruzar o caminho. Neste sentido, qualquer semelhança com o Regime Militar no Brasil, talvez não seja mera coincidência.
Mas enfim, com a redemocratização ocorrida após 1974 o sistema político português passou a se caracterizar pelo fenômeno do multipartidarismo, com diversas legendas com representação no parlamento, refletindo assim a pluralidade de opiniões e a diversidade política do país. Isto desempenhou papel fundamental na representação dos interesses, bem como na formação e posterior execução de políticas públicas dos governos que até aqui o geriram, quer por meio de representação por maioria absoluta, quer por meio de coalizões no parlamento.
Como é de conhecimento público, no último dia 10 de março de 2024 os portugueses foram novamente às urnas para votar nas eleições para Assembleia da República, antecipadas após a queda do então premier Antônio Costa, do Partido Socialista (PS), após sucessivos escândalos de corrupção no governo. Como já era de se esperar, o resultado destas funcionaram como uma primeira resposta do povo português à crise instaurada pelo governo de Costa, marcando uma guinada histórica à direita de Portugal, com vitória da Aliança Democrática (AD), coalizão montada entre os Partidos Social Democrata (PSD) e o Centro Democrático Social (CDS).
E antes de refletirmos sobre a questão imigratória, faz-se mister mencionar que a vitória da ala de centro-direita ficou aquém das expectativas inicialmente avençadas, inclusive para as próprias pesquisas eleitorais portuguesas, sendo que agora, segundo especialistas políticos as contas para a formação do novo governo estão um pouco mais complicadas de fechar, tendo em vista que o resultado deste pleito eleitoral não deu ao partido do novo governo a maioria folgada para dirigir o país sem a necessidade de grandes negociações, como já é de costume desde os últimos mandatos de Antônio Costa. Neste momento a pergunta que muitos fazem é se a AD terá condições de governar o país sem o levar a estagnação. Por outro lado, talvez os portugueses ao votar, estavam querendo exatamente este cenário, de freios e contrapesos.
Em todas as situações possíveis, este que vos escreve entende que a AD poderia fazer aliança com Iniciativa Liberal (IL) – sigla de menor expressão mandatária no Parlamento – tendo ainda assim que lidar com a extrema-direita do Partido Chega e com a esquerda do Partido Socialista (PS). Outras possibilidades mais remotas seriam de a sigla do futuro primeiro Ministro Luis Montenegro (AD) se inclinar à esquerda – correndo o risco de quebrar assim a confiança dos seus votantes – ou, à extrema-direita – quebrando também uma das suas principais promessas de campanha, que era a de justamente não se aliar ao Partido Chega, de André Ventura, líder que mantém vínculos ideológicos com o Bolsonarismo brasileiro.
De toda forma não se pode desconsiderar a expressividade do Partido Chega na composição do parlamento português. O mesmo conseguiu mais de um milhão de votos e 48 assentos na Assembleia da República, um feito histórico possível graças à redução das abstenções às urnas, prova de que pelo menos parte da população portuguesa quer sim mudanças nos rumos do país.
Em suma, o cenário deixado pelas eleições é complexo e os próximos meses serão essenciais para saber se há espaço para a criação de um governo minimamente estável, que pelo menos saiba dialogar com seus pares, ou se o país irá mergulhar no caos político, tendo de realizar novamente eleições antecipadas, provavelmente no final de 2024, começo de 2025.
A fluidez do novo governo irá depender das coalizões e concessões que a AD terá de fazer. O Partido Socialista (PS), sigla de esquerda que, liderado pelo ex-ministro Antônio Costa governou o país por quase uma década, a partir desta eleição perde a sua maioria no parlamento e de plano já acenou que fará papel de oposição ao governo.
Em contrapartida, o provável futuro primeiro ministro Luis Montenegro, presidente do PSD, reafirmou após a sua apertada vitória que uma possível aliança com a direita conservadora do partido Chega não é sequer uma opção. “A minha mais firme expectativa é a de que o PS e o Chega não constituam uma aliança negativa para impedir aquilo que os portugueses elegeram”, afirmou ele em entrevista, num hotel no centro de Lisboa, após encerrada a votação. Enfim, como se observa, em um oceano de possibilidades, não se pode descartar nenhum cenário, do melhor ao mais catastrófico.
E embora não possamos prever exatamente todas as ações futuras deste ou dos próximos governos que o poderão suceder, uma coisa sabemos: a onda de imigração que tomou conta de Portugal (e não apenas por brasileiros) é considerada pela ala de direita como um “problema”. E casos de xenofobia à parte, infelizmente é compreensível que pensem assim, pois razões para isso lamentavelmente existem.
É preciso entender que os governos socialistas há anos vinham dominando a política portuguesa e que estes adotaram medidas que “afrouxaram” a mão no quesito imigração, considerando, pois, a proeminente necessidade de mão de obra, ora já escassa e urgente à manutenção e ao desenvolvimento da economia portuguesa. No entanto, estas medidas de facilitação de entrada de estrangeiros, com as sucessivas atualizações na Lei de Imigração permitiram que todo tipo de imigrante aportasse no país, fosse este mão de obra qualificada ou não. Também é sabido que a porta escancarada permitiu que facções criminosas como o PCC (Primeiro Comando da Capital), de São Paulo, aqui se instalassem e iniciassem operações ilícitas.
Destarte, sem o devido planejamento e infraestrutura necessária para receber todos os estrangeiros, principalmente a nível documental e habitacional, os portugueses viram a remuneração percebida se apequenar frente à disparada dos preços dos arrendamentos (aluguéis) e das prestações dos imóveis financiados. Com menos imóveis à disposição e muita procura, o custo de vida também aumentou, ainda que se mantenha em patamares aceitáveis para quem veio de países do chamado terceiro mundo. A isso tudo ainda se somam as migrações de africanos e asiáticos, bem como as de pessoas que fugiram dos seus países em decorrência de guerras como as provenientes do Oriente Médio e Ucrânia, país este, do qual Portugal recebeu e ainda recebe muitos nacionais.
Isso impactou fortemente a vida dos portugueses em questões como custo de vida e habitação, bem como na inserção das populações imigrantes na sociedade portuguesa, dado que o grande fluxo migratório congestionou o antigo SEF (hoje extinto) deixando sua herança de imigrantes de várias nacionalidades indocumentados para a atual Agência para Integração, Migrações e Asilo – a AIMA, a qual sequer se consolidou dando conta da imensa demanda de trabalho, mesmo após ceder parte suas atribuições para outros organismos já existentes.
E isto significa que as portas para os imigrantes vão se fechar?
Não.
Analisando a atual situação percebemos que Portugal é um país de população majoritariamente idosa e também de muitos emigrantes, nacionais seus que foram para países como França, Suíça, Luxemburgo e Inglaterra em busca de melhores salários e condições de vida dentro do velho continente. De longe os Portugueses sabem que seu país não proporciona as melhores condições de vida, ao menos pela “régua” dos demais países que compõe a União Europeia. Isso sem contar que apesar do grande fluxo imigratório, atualmente desorganizado, ainda existem muitos postos no mercado de trabalho português vagos, carecendo de mão de obra especializada.
Assim sendo e sabendo destas condicionantes, é provável que o governo português independente da sua variante ideológica não coloque o pé na porta de uma só vez. O que se espera de forma efetiva é o endurecimento das regras migratórias, sobretudo com maior
controle sobre as populações imigrantes que já estão em território nacional, além é claro, de maior controle nas fronteiras aéreas para os que ainda vão vir, evitando que pessoas sem documentação, qualificação profissional condizente com as necessidades do país e condições próprias de subsistência entrem em território português para engordar ainda mais as filas da Segurança Social e da Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA).
Isso significa que mais do que nunca é necessário imigrar de forma responsável, documentada e regular, a fim de se evitar dores de cabeça futuras com possíveis eventuais revisões e alterações nas políticas migratórias, principalmente para os imigrantes de países que não partilham o idioma Português como laço materno, os quais ficam fora da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Enfim, caros leitores, apesar de hoje termos muita turbulência passando pelo céu azul de Portugal, uma coisa é fato: sem uma maioria no parlamento o novo governo não terá vida fácil e, sem os imigrantes, menos ainda. É preciso sim equalizar a balança e encontrar o ponto de equilíbrio, pois é sabido que oportunidades para se prospectar existem, especialmente para aqueles que sabem aproveitá-las dentro da lei.
E com toda certeza, nestes termos, esta acolhedora nação, assim o carece.
Por hora é isso. Vamos acompanhando as movimentações políticas e atualizando as informações, conforme os fatos forem se desenrolando.
Como o costumeiro apreço, Daniel Nunes Ramos, diretamente de Alenquer – Lisboa – Portugal, para o Portal Amorim.