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ColunistasLuiz Llantada | Crônica | Frio de chorar

Luiz Llantada | Crônica | Frio de chorar

Quando eu tinha cinco anos de idade fui morar em Caxias do Sul. Numa manhã de inverno minha mãe me acordou e chamou-me à janela para me mostrar a neve que caía. Meus olhos se arregalaram e brilharam de encantamento ante à beleza do cenário. Morávamos meio afastado do centro, numa vila ainda pouco habitada, no alto de um morro.

Em frente da nossa casa havia um campinho e um arvoredo. Ainda trago na minha mente a imagem daqueles flocos, brancos como algodão, que caíam lentamente sobre a grama e as folhas de árvores e arbustos.

Enquanto eu tomava café a neve foi se acumulando sobre a grama e estendendo nela um tapete branco. Eu estava eufórico com aquele cenário que via pela primeira vez. Vesti a roupa mais quentinha que tinha e calcei alpargatas.

Os raros jovens que me estão lendo agora não sabem que bicho é esse. Então explico. Alpargatas é uma espécie de calçado feito de lona. Isto mesmo, lona, aquele tecido grosso que se usa para proteger cargas nos caminhões, só que não era impermeável. E o solado, gurizada, era de corda. Podes não me acreditar, mas era de corda mesmo.

Não essas cordas sintéticas que vocês conhecem, mas aquela de juta. Ah! Lembrei, juta vocês também não sabem o que é. Deixa pra lá. O certo é que tanto a sola como a parte superior das alpargatas não impediam a entrada de umidade, pelo contrário, atraíam-na, sugando-a como se fosse um mata-borrão.

Puxa! Hoje é o dia, estou só falando em coisas que vocês meninos não conhecem. Me desculpem, mas é coisa da idade. Mas vamos ao que interessa. Peguei uma bola de borracha e saí em corrida desabalada porta à fora. Eu e outras crianças corríamos e rolávamos na neve. Nós a pegávamos nas mãos e jogava para o alto, fazendo-a cair sobre nós. Àquela altura a neve já estava alta, numa espessura de cerca de cinco centímetros. Assim, meus pés se afundavam nela.

Ora, como tu bem sabes, meu menino, minha menina, a neve é água num estado entre líquido e sólido. Mas é água, e bem gelada. Um “gelo”. Foi aí que a umidade começou a passar pelas minhas alpargatas, ensopando minhas meias e chegando aos meus pés. No início não dei bola, pois era acostumado a brincar assim em dias de chuvas. Acontece, porém, que a temperatura gelada daquela umidade foi, lentamente, se fazendo sentir nos meus pés, a ponto de encarangá-los. Bem, se não sabes o que é encarangar, agora não tenho mais tempo nem espaço para explicar-te. Fiquemos assim.

Foi naquele dia que eu descobri que o frio dói. E muito. Comecei a chorar de dor e corri para dentro de casa. Minha mãe me enrolou num cobertor, sentou-me à frente do fogão à lenha, esticando minhas pernas sobre uma cadeira e, abrindo a portinhola do fogão, colocou meus pés quase dentro do fogo.

Serviu-me um café preto, bem quente, e pôs nele umas gotas de graspa, que é cachaça de uva. Adorei. O frio passou, em compensação, nunca mais parei de beber.

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