Preparação para o futuro
Ah, se na juventude soubéssemos como são felizes nossos dias, se pudéssemos perceber quão privilegiados somos por desfrutar da energia e da vitalidade que nos permite lutar pela conquistas dos nossos sonhos. Quem dera mantivéssemos a mesma doce sensação de realização das nossas primeiras lutas. Entretanto, temos este hábito de desperdiçar o presente com as preocupações do futuro.
Iniciando a nossa vida juntos, o Joel e eu, tínhamos o coração cheio de sonhos, jamais cogitamos a impossibilidade de realizá-los. Seguíamos trabalhando. Vendendo de porta em porta. Aprendendo, porque o contato com os clientes já mais idosos e vividos nos mostravam que a vida nos ensina sempre através de experiências como superar as dificuldades. Naquela época, os casais na faixa dos cinquenta anos, eram considerados por nós pessoas velhinhas. Lembro de uma ocasião, uma visita que fizemos na cidade de Meleiro. Era um casal que iria comemorar suas bodas de Prata, vinte e cinco anos juntos. A esposa me mostrou florzinhas que ela estava confeccionando de papel, para fazer parte da decoração. Tudo feito em casa. O churrasco seria com espetos de taquara e uma lona preta seria usada para aumentar a área. Me recordo muito bem do quanto ela estava feliz, radiante mesmo e ansiosa pela comemoração. Imaginei como seria quando nós comemorássemos esta data tão importante. Seríamos velhinhos, mas nos amaríamos mesmo assim. O Joel brincava dizendo que teríamos que tirar a dentadura, colocar num copo de água para nos beijarmos. Imagina!
E assim, em cada casa, com cada família fomos coletando histórias e o desejo de viver crescia a cada dia. Ganhamos experiência em vendas. Nos fortalecemos em seguir sempre em frente. Também buscamos nos aperfeiçoar. A empresa japonesa que era a nossa parceira nos negócios, proporcionava cursos de desenvolvimento pessoal, Estes cursos eram realizados na capital paulista. Íamos de ônibus. Avião, seria impossível. Pensando hoje, depois de tantos anos, volto a concluir como éramos fechados para as possibilidades. Certamente tínhamos recursos financeiros para passagens aéreas, mas nunca fomos a São Paulo de avião.
Katsumassa Isobe era o nome do treinador, japonês que não falava português. Curso Ouro era o nome do treinamento. Uma imersão de final de semana. Centenas de pessoas de diversos lugares do Brasil. O Curso era traduzido por um japonês que morava no Brasil: Francisco Mamuro Konno, que ainda hoje faz cursos na mesma área. O aprendizado era riquíssimo.
A imersão iniciava na sexta-feira, ficávamos alojados todos juntos, mais de cem pessoas numa mesma sala. Recebíamos os conteúdos teóricos sobre a vida, sobre o nosso livre arbítrio, as escolhas, metas e resultados. A vida é uma sucessão de acontecimentos que, um após o outro nos preparam para a próxima fase. São pontos que parecem dispersos, mas que quando olhamos para trás eles estão ligados e, então os acontecimentos fazem sentido. Aqueles treinamentos há tantos anos, foram fundamentais para todas as dificuldades que a vida nos reservou mais tarde. Mas naquele momento, não sabíamos disto.
Lembro de uma dinâmica, na qual, de modo aleatório ficávamos em dupla, com uma pessoa totalmente desconhecida. Cada um recebia uma refeição, comida japonesa. Que, aliás, eu não gosto. Sentados frente a frente, uma pessoa da dupla era vendada. O outro participante devia alimentar o colega de modo que ele ficasse satisfeito. Na sequência, trocavam os papéis. Lembro que a comida era servida para o outro com hashi, (pauzinhos que servem de talheres para os povos orientais), e era muito difícil usar. Haviam muitos participantes japoneses, obviamente. Me senti muito constrangida em alimentar outra pessoa e também em ser alimentada. Naquela dinâmica simples, aprende-se a respeitar as limitações do outro, ter compaixão e também ter humildade em reconhecer que muitas vezes iremos precisar de outras pessoas.
Passaram-se muitos anos. Meus pais tiveram AVC _ acidente vascular cerebral – que os deixou incapacitados para a maioria das atividades diárias, entre elas alimentar-se sozinhos. Quantas vezes lembrei daqueles mimentos do treinamento enquanto dava de comer para minha mãe, com apenas quarenta e oito anos de idade.
Mesmo depois de mais de trinta anos, posso afirmar que se este treinamento fosse ministrado nos dias de hoje, ainda seria atual. Aprendemos a ser fortes e resilientes. Quando se tem professores japoneses, disciplina é algo que não pode faltar, respeito, educação, honestidade e responsabilidade são valores que foram reforçados em nós.
Muito jovens aprendemos tantas coisas. Já éramos donos da nossa própria empresa e avançávamos sempre. Foi uma época feliz, sem grandes percalços. Viajávamos muito, por várias cidades de Santa Catarina e do Rio Grande do sul. Como éramos só ele e eu, ficávamos vários dias longe de casa. O Joel sempre foi alegre, e nossos dias eram sempre recheados de diversão, como gostávamos do que fazíamos, não considerávamos que era um trabalho. Na cidade de Caçador, oeste do nosso estado ficávamos hospedados no hotel Kindermann. O único da cidade, muito simples. Lembro que íamos dormir, e eu dizia que estava com saudades de casa, da minha mãe. Ele dizia: “- Amor, eu vou cantar para te confortar.” Então, começava a cantar aquela canção “Mezinha do céu, eu não sei rezar. Eu só sei dizer que quero te amar….” Jamais esqueço, porque ele não era um homem romântico, tinha um jeito próprio de fazer as coisas. Esta canção sempre me emociona porque me traz a mesma sensação de proteção de tantos anos atrás. Conhecemos muitas pessoas, fizemos amizades, e fomos crescendo como profissionais e como pessoas.
Como o modelo de negócios da empresa era Marketing Multi Nível aprendemos a recrutar pessoas para o nosso negócio, a formar uma equipe e dar nossos primeiros passos como lideres. Tudo na prática. Nada acadêmico, nada de teoria. Era o nosso dia a dia. Hoje, quando existem milhares de livros sobre negócios, administração, liderança, percebo o quanto éramos ousados em encarar tudo no método de experimentação. Nao que os livros já não existissem, nós é que nao tínhamos acesso. Não existia internet. As livrarias eram escassas, somente nas cidades grandes.
Ganhamos muita experiência. Este foi um dos períodos mais tranquilos da nossa vida. Hoje, posso concluir, ligando os pontos, que foi um período de aulas preparatórias para tudo o que viria a seguir. O treinador internacional Katsumasa Isobe continua dando seus treinamentos pelo mundo. A gratidão pelos aprendizados é enorme. Me faz pensar que ele nem imagina quem somos, não nos conhece, mas causou um grande impabto na nossa vida. Penso que também impactamos os outros.
Muitas vezes conversamos sobre esta época, de como foi boa. Lembrávamos juntos de muitos episódios engraçados, ou do quanto trabalhamos. Ao finalizar o domingo, todas estas recordações me trazem ao coração um misto de alegria e saudades. Quantos domingos desperdiçamos emburrados, queixosos? Tardes inteiras sem conversarmos por coisas tão pequenas, que não fazem a mínima diferença. Observo o lugar dele no sofá, e está vazio. Estas memórias só fazem sentido para ele e eu. As demais pessoas que também viveram estas experiências já não estão mais aqui. Por isto, elas não são interessantes para mais ninguém. Será que é assim que o passado vai perdendo a cor e o brilho? Talvez. Estivemos neste trabalho por aproximadamente três anos.
Quando Fernando Collor assumiu a presidência do Brasil, a empresa Nihon Kenko Zoushin Kenkyukai despediu-se do Brasil. Vendeu a marca Kenko Patto para uma empresa brasileira. No Japão continua uma empresa forte. Assim, precisávamos tomar uma grande decisão na nossa vida profissional, a primeira de muitas. O que será que decidimos? Acompanhe na coluna da próxima semana!
