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ColunistasCrônica | O homem das cavernas| Luiz Llantada

Crônica | O homem das cavernas| Luiz Llantada

O homem das cavernas

Demorou para que o homem primitivo saísse da caverna. Nos primórdios da humanidade ele vivia entocado, com medo de sair e ser devorado pelas feras, ou morto por outro homem, que vivia tão apavorado quanto ele. As florestas eram praticamente indevassáveis, densas, compactas. Além do mais ele não tinha roupas para proteger o seu frágil corpo contra o rigor das intempéries.

Como precisava sobreviver foi obrigado a sair da toca. Com o decorrer do tempo veio o progresso. O que lhe deixou cada vez mais confiante. A necessidade de trabalhar, estudar ou passear obrigava-o a sair à rua. Some-se a isso as grandes distâncias que o forçavam a viajar. O homem passou a ser praticamente um estranho dentro da própria casa.

Eu mesmo, quando jovem, morava em Porto Alegre, trabalhava o dia todo e estudava à noite. Durante anos eu via os meus pais quase que só aos fins de semanas e feriados. Saía cedo, almoçava e lanchava no centro da cidade. Chegava em casa por volta da meia noite. Tanto quando eu saía como quando chegava, eles estavam dormindo. Assuntos domésticos, corriqueiros, do dia a dia resolvíamos por bilhetinhos. É bom lembrar que não se tinha telefone em casa.

Com o passar do tempo, o mundo evoluiu. Ficou mais agitado e perigoso. A humanidade teve mudar sua rotina. Eu hoje já estou me comparando ao homem das cavernas. Voltei pra toca. Fui diminuindo gradativamente o ritmo do meu trabalho e levei o meu escritório para casa. O telefone e o fax foram os primeiros a diminuírem as minhas saídas para a rua. Aí veio o computador, a Internet, os e-mails, o celular e o diabo-a-quatro.

Hoje tenho amigos e colegas muitos dos quais nunca lhes vi o rosto. De vez em quando eu inventava a desculpa de ir comprar o jornal ali na esquina só para sair de casa. Agora o leio pela Internet. Ah! Mas tinha a desculpa e ir ao cinema ou assistir um jogo de futebol em Porto Alegre e, pronto, lá estava eu, de novo, livre para voar. Livre? Livre o cacete! A televisão por assinatura e outros recursos tecnológicos me dão tudo isso e muito mais na minha sala.

Mas a gente sempre achava um pretexto para sair. Eu e minha mulher, vez que outra, saíamos para almoçar ou jantar num restaurante ou em casas de parentes ou amigos. Um bailezinho de vez em quando. Enfim: livres! Será? Veio a famigerada “Lei seca”. Agora é proibido beber uma tacinha de vinho e depois dirigir. Fica em casa! Uma voz me alerta. Meu último gesto de liberdade são as caminhadas diárias. Ando pelas ruas e campos. Vejo e falo com pessoas, olho vitrines, fachadas de casas e prédios. Um cachorro que me sacode o rabo já me alegra. Uma alma maldosa me sussurrou ao ouvido “Compra uma esteira. Caminha em casa”. Pensei em matá-lo, mas desisti, pois a prisão seria pior.

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