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ColunistasJanela para Portugal: como é viver em uma vila portuguesa?

Janela para Portugal: como é viver em uma vila portuguesa?

Caro leitor,

Muitas vezes planejamos exaustivamente as coisas e nem sempre elas saem como o previsto, não?

Pois bem, praticamente finalizando o ano – não sei vocês – mas eu nas últimas duas semanas não tive tempo sequer para respirar, quanto mais escrever! As vezes me pergunto porque final de ano é sempre tão corrido. Pelo que observo isso acontece não apenas comigo, mas com muitas outras pessoas, quer aqui – em Portugal – ou em qualquer outra parte do mundo, sempre no melhor estilo “Modern Times” (Tempos Modernos), filme de Charlie Chaplin, aqui obviamente sem a figura do Little Tramp (o vagabundo), afinal ao menos aqui na Europa, este não têm “vida fácil”, ou como diria minha mãe, aqui este “não se cria”

Iniciando mais esta coluna – possivelmente a última do ano – hoje vamos conversar sobre a região do país em que fixei raízes, a saudosista “Alenquer”, passando antes brevemente pela Vila do Carregado, local onde inicialmente me estabeleci quando cheguei aqui em Portugal.

Pois bem, como muitos sabem ao aterrar em terras lusas em agosto de 2022 resolvi não ficar tão perto de Lisboa ou Porto, afinal são cidades-polos onde se pagam os arrendamentos (aluguéis) mais caros de Portugal. Na verdade tinha em mente fixar residência em outra cidade, em outro distrito do interior de Portugal, para a qual inclusive havia recebido proposta de trabalho, a qual (in)felizmente não se concretizou. Sim, pus os parênteses no (in)felizmente porque na vida muitas vezes somos pegos com as “calças na mão”, ainda que munidos de rigoroso planejamento. Nesta altura só pensava em conseguir uma casa, documentos e um trabalho, preocupações típicas de imigrante de primeira viagem. Hoje percebo que a cada passo e a cada tropeço dado até aqui, todos foram na verdade oportunidades que a vida ofereceu para coisas maiores e melhores. Tudo depende de como olhamos para o copo, ou meio cheio, ou meio vazio…

Hoje, quando o imigrante desce em terras lusas o fator primordial para a escolha de um local para iniciar sua vida no país é justamente encontrar moradia, até porque vagas de trabalho existem. Moradias disponíveis para locação, entretanto, não. Fisicamente elas até estão lá, contudo fechadas. Muitas à venda. Lamentavelmente o imigrante deixou nos últimos anos um histórico de depredação de patrimônio dos senhorios (locadores), mau comportamento por não respeitar leis e costumes portugueses, inadimplemento de contratos e quando não, somados a todos estes itens desta extensa lista de “hobbies”, ainda ocorreram furtos de mobílias e tudo o mais que de uma casa pudesse ser retirado. Partindo deste princípio podemos entender o porquê da disparada nos preços dos aluguéis e da crise habitacional instalada em Portugal.

Pois bem, ao chegar no Carregado consegui um apartamento para ficar com um até então “amigo”, o qual já morava há alguns anos em Portugal. O porquê ele deixou de ser talvez seja assunto para um próximo texto, não sei, ainda vou pensar se escrevo a respeito. Mas o fato é que por ter apenas esta opção à disposição, foi ela a “escolhida”. Então, como bom brasileiro que sou, conheço bem aquele ditado: “melhor uma andorinha na mão, do que duas voando”.

 Tendo em vista o fracasso do planejamento inicial, não serei hipócrita. Não escolhi permanecer na Freguesia do Carregado por livre iniciativa, mas sim pelas circunstâncias que me compeliram a fazê-lo. Na época, era a andorinha que tinha à mão, e foi a que permaneceu nela por aproximadamente um ano, até decidir mudar novamente, desta vez para Freguesia de Alenquer.

Uma das coisas que muito me confundiu aqui quando cheguei e que de imediato pode parecer confusa para o leitor, é a divisão político-administrativa de Portugal. No Brasil temos basicamente pouco mais de 5.500 municípios, 27 estados e 01 Distrito Federal, os quais juntos compõe nossa federação. Portugal, por sua vez, organiza-se da seguinte forma:

1º nível – Distritos e Ilhas: Portugal continental é dividido em 18 distritos. As Regiões Autônomas dos Açores e da Madeira são tratadas como distritos, cada uma composta por várias ilhas.

2º nível – Municípios: existem 308 municípios em Portugal, que são unidades administrativas autônomas. Cada município é governado por uma câmara municipal, que é o órgão executivo (funciona como uma prefeitura, no Brasil), e uma assembleia municipal, que é o órgão deliberativo (que se assemelha a câmara de vereadores, em nosso país).

3º nível – Freguesias: As freguesias são a menor divisão administrativa em Portugal, com um total de 3092. Cada freguesia é governada por uma junta de freguesia (espécie de subprefeitura), que é o órgão executivo, e uma assembleia de freguesia, que é o órgão deliberativo (equivalente a uma subcâmara de vereadores). Uma freguesia é composta por um conjunto de lugares onde vivem as pessoas, formadas por ruas ou bairros com moradias, praças, serviços de saúde e escolas.

Passada esta breve introdução “histórico-geográfica”, Carregado e Alenquer são duas pitorescas vilas portuguesas que pertencem ao município de Alenquer, no distrito de Lisboa. Juntas, formam uma União de Freguesias com cerca de 14 mil habitantes e uma área de aproximadamente 25 km². Ambas possuem uma longa história com forte tradição vinícola, paisagens diversificadas, dinamismos econômico e social próprios, além de se situarem muito próximas da Capital, Lisboa (aproximadamente 30 minutos de carro), a 280 km do Porto, segunda maior cidade do país e a 287 km de Faro, na região do Algarve.

Suas origens remontam à pré-história, como atestam os vários sítios arqueológicos encontrados nos seus territórios. Elas foram povoadas por romanos, visigodos, muçulmanos e cristãos, tendo recebido forais – que são atos de emancipação político-administrativa – de diferentes reis, ao longo de suas existências. Carregado em 1856 foi palco da primeira viagem de comboio (trem) em Portugal. Já Alenquer foi berço de Damião de Goes, importante humanista e diplomata do século XVI, e também a menina dos olhos de Luís de Camões, poeta de “Os Lusíadas” – uma das obras mais importantes da literatura de Língua Portuguesa, publicada em 1572, na qual lhe dedicou alguns versos.

Apesar da idade avançada, estas senhoras vilas ainda hoje mantêm o seu patrimônio histórico e cultural, como o Castelo de Alenquer, os conventos, as igrejas, as ermidas, as quintas e as casas senhoriais. São também vilas solidárias e participativas, que acolhem diversas associações e eventos de caráter social, cultural, desportivo e recreativo. Estão bem servidas de infraestruturas de transportes, como a autoestrada A1 e Estrada Nacional N1, que liga as duas cidades, bem como a linha ferroviária do Oeste, que permite a ligação a outras localidades da região. Além disso, estão próximas dos aeroportos de Lisboa e Porto, que facilitam a mobilidade nacional e internacional.

Localizadas em zona predominantemente rural, onde a agricultura é a principal atividade econômica, sobretudo pelos produtos mais emblemáticos, a vinha e o vinho, cuja qualidade é reconhecida nacional e internacionalmente, tendo recebido vários prêmios e distinções, Carregado e Alenquer também se destacam em outras culturas agrícolas importantes, como os cereais, as forragens, as frutas e as hortícolas, além da pecuária que também tem certa expressão, sobretudo a bovina, ovina e a caprina.

A indústria, o comércio e os serviços são outros setores que contribuem para a economia local, gerando emprego e renda. Nestas vilas e nos arredores há inúmeras empresas e indústrias. Sendo a região especial polo logístico, Carregado e outras freguesias nos arredores detêm um imenso hub de empresas de transportes que recebem e despacham mercadorias para toda Europa diuturnamente, além de  indústrias do ramo metal mecânico e alimentício. Destaca-se aqui ainda a existência de um dos maiores complexos fabris de papel-moeda da Europa, o qual produz anualmente milhares de notas de Euros, em qual é guardando cerca de 180 toneladas de barras de ouro português, que constituem aproximadamente 40% das reservas de ouro do Banco de Portugal, nosso correspondente direito do Banco Central do Brasil.

No aspecto climático esta região tem um clima mediterrânico, caracterizado por verões quentes e secos e invernos frios e úmidos. A temperatura média anual é de cerca de 16°C, variando para mais ou para menos, conforme as estações do ano. A precipitação média anual é de cerca de 700 mm, concentrando-se, sobretudo entre outubro e abril e é influenciada pela proximidade do oceano Atlântico, que ameniza as temperaturas e aumenta a umidade.

Culturalmente, Carregado e Alenquer são vilas com uma forte identidade cultural que se manifesta nas suas tradições, festas, gastronomia, na sua arte e literatura. Alenquer é conhecida como o “Presépio de Portugal” devido à sua disposição em encosta, que lembra uma cena natalícia. Sua ligação com o Natal é reforçada pela realização de um dos maiores presépios do país (o qual inclusive pude prestigiar este ano), atração que somada ao alargamento das celebrações na quadra natalícia e a construção de um Parque Temático de Natal (com direito até a pista de gelo para patinação), Alenquer ano após ano tem vindo a ganhar extraordinária dimensão nacional, atraindo e acolhendo todos os meses de dezembro, inúmeros visitantes oriundos de vários pontos do país.

Na questão gastronômica, observamos o reflexo da vocação agrícola e vinícola desta região. Os pratos típicos são à base de carne, como o cabrito assado, o coelho à caçador, a sopa da pedra e o cozido à portuguesa. Os doces tradicionais são as broas, as queijadas, os pastéis de feijão e as cavacas. O vinho é o acompanhamento ideal para estas iguarias, podendo ser escolhido entre as diversas castas e marcas produzidas aqui mesmo no município, a valores muito acessíveis para o padrão de vida europeu.

Por fim, como mencionei no início deste, nem tudo aquilo que me aconteceu aqui “foram flores” e/ou decorreram como esperado. Carregado e Alenquer são lugares que hoje fazem parte da minha história, lançaram alguns desafios, mas também boas memórias e várias novas amizades, além é claro de alguns privilégios e recompensas que só quem vive em cidade pequena têm. Estas – assim como tantas outras vilas – possuem uma história riquíssima que se entrelaça à história escrita da própria humanidade e que facilmente encantam seja quem vêm a passeio, ou mesmo para fazer daqui seu novo lar.

Nem todos gostam da calmaria de uma cidade interiorana, entretanto, dadas as melhores condições de habitabilidade que freguesias menores como estas oferecem, é notória a melhor adaptação dos estrangeiros ao novo país, considerando o atual cenário habitacional do Estado Português. Após 01 ano e 04 meses vivendo nestas localidades, não me canso de (re)descobrir  todos os dias os encantos desta terra que tão bem me acolheu. São vistas convidativas que inspiram, locais com muita história, vinhos com taninos elegantes e aromas distintos e uma gastronomia que vale a pena conhecer e vivenciar – principalmente nos períodos festivos – épocas em que as tradições seculares são intensamente vivenciadas.

Como a costumeira dedicação e apreço, Daniel Nunes Ramos, diretamente de Alenquer – Lisboa – Portugal, para o Portal Amorim.

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